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"Vitória": Ama-se o Cinema Brasileiro ou Seus Mitos?

Foto do escritor: MontezMontez

Foto: Suzanna Tierie/ Divulgação/ Sony Pictures
Foto: Suzanna Tierie/ Divulgação/ Sony Pictures

Durante uma rápida rolagem no feed do Twitter/X, após a vitória de Ainda Estou Aqui (2024, dir. Walter Salles) na categoria de melhor filme internacional no Oscar 2025, um perfil se destaca ao apontar para a estreia de Vitória, filme de Andrucha Waddington — que, vale ressaltar, é casado com a atriz Fernanda Torres — e protagonizado pela também indicada à cobiçada estatueta dourada, Fernanda Montenegro. O tweet, de forma concisa, não faz referência ao longa-metragem apenas como uma nova estreia, mas o posiciona como o próximo filme brasileiro a disputar uma vaga na prestigiosa premiação estadunidense. Mais que isso, sugere que Vitória seria a redenção do país, trazendo uma nova indicação para Montenegro e, posteriormente, sua vitória tão aguardada. Esse simples comentário, dentro de um espaço virtual cada vez mais saturado de disputas narrativas e pretensões progressistas muitas vezes vazias, revela um fenômeno intrigante do cinema nacional: um movimento que parece buscar, de maneira quase desesperada, a validação externa. 


Vitória não deveria ser apenas mais um filme lançado com o intuito de atrair algum retorno financeiro — um objetivo claramente visado pela Sony Pictures ao lançar o projeto neste momento. O filme precisa ser algo mais, precisa ser elevado à condição de uma obra que obtenha o reconhecimento internacional e seja, de fato, premiado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA. Neste contexto, o valor crítico do filme de Waddington passa a ser reduzido, nivelado por noções distorcidas de sucesso. O foco parece se deslocar do cinema per se para a busca por premiações, como se a relevância de um filme estivesse atrelada ao aplauso da indústria hollywoodiana. O fato é que a crítica, em teoria, não deve se pautar pelo desejo de validação, seja ela do público ou dos rompimentos internacionais. Deve-se refletir sobre o filme a partir dele mesmo, observando o que o sequenciamento de imagens desperta, sem projetar possibilidades além daquelas que ele oferece. 


Inspirado na história de Joana da Paz, uma idosa negra que desmantelou uma rede de tráfico a partir de imagens registradas em sua filmadora parcelada em dez vezes, o filme centra seus esforços em Fernanda Montenegro. A escalação da atriz, contestada pela questão racial, foi rapidamente justificada pela equipe pelo segredo que envolvia Joana, visto que ela entrou para o Programa de Proteção a Testemunhas e sua identidade foi mantida em sigilo até sua morte, em 2023. A centralização em torno da figura que ficaria conhecida publicamente como Vitória, e que no filme chama-se Nina, foi a forma encontrada por Breno Silveira, cineasta responsável pelo projeto e que faleceu em 2022, e a roteirista Paula Fiuza para não lidar diretamente com discussões complexas como segurança e políticas públicas, voltando-se para os aspectos melodramáticos em torno dessa figura. Vitória é uma idosa solitária que, vendo-se ainda mais isolada por estar no lugar onde vive, resolve tomar as rédeas da situação. Buscando evitar o máximo as possibilidades de que o filme seja usado para discursos reacionários, a moral do melodrama sublinha bem as características dos personagens — as figuras que incorporam o discurso de extrema direita e o embate com a violência, e as que estão no espectro progressista, da qual, claramente, dona Nina faz parte. 

Foto: Suzanna Tierie/ Divulgação/ Sony Pictures
Foto: Suzanna Tierie/ Divulgação/ Sony Pictures

Waddington, através desse interesse pelo totem que é sua protagonista e Montenegro, relega a segundo plano qualquer possibilidade de suspense que ele ensaia durante alguns momentos. Não à toa, a própria solução da situação se dá de forma muito imediata, pouco climática. Se haveria aspirações a um aspecto com toques de Janela Indiscreta (1954, dir. Alfred Hitchcock) com o trabalho da câmera e do ponto de vista, o que resta de possibilidade comparativa é o status dramático dos personagens que são observados, principalmente o jovem Marcinho (Thawan Lucas), que também surge como uma vítima do tráfico e um símbolo do progressismo da protagonista. 


Em outros termos, toda a dimensão discursiva em torno do filme se torna o grande impulsionador para o mesmo: seria ele o próximo produto de exportação bem-sucedida? O cinema brasileiro, então, está refém de um cinema formulaico que preenche os requisitos para tal escolha? Afinal de contas, o filme de Waddington carrega consigo uma simplicidade que, em alguns momentos, torna-se simplista, sendo puxado de volta pela magnitude do olhar de Montenegro quando ela está no enquadramento. Não há problema em desejar mais um filme brasileiro na disputa estadunidense — e há importância nisso — mas construir um filme a partir das ideias que ele contém e condicioná-lo como discurso — e, por consequência, como estratégia de marketing — o transforma em mero símbolo de uma cinematografia que parece cada vez mais restrita. 


Se há importância pela visibilidade gerada e pela figura central, o mesmo seria feito em um projeto semelhante sem os mesmos nomes envolvidos? O que se deseja é o cinema brasileiro como produto de exportação ou figuras que correspondem a uma determinada linha de discurso que validem as ideias pré-concebidas em redes sociais? Pensar criticamente em Vitória é pensar mais tudo o que o envolve como embalagem que, de fato, como produto. E, talvez, tal característica consiga falar suficientemente tanto sobre o próprio filme quanto as elocubrações desejosas de uma certa parcela de espectadores. A partir disso, voltamos a mesma pergunta - que permanecerá sem resposta - ama-se o cinema brasileiro ou seus totens?


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