top of page
Foto do escritorRafael Salles

Unir o útil ao inimaginável: “Mônica e a Sereia do Rio”

Foto: Reprodução

Maurício de Sousa, Tetê Espíndola, Walter Hugo Khouri. Três figuras inicialmente dissidentes que se entrelaçam por um ponto em comum: todos se fazem presentes no filme Mônica e a Sereia do Rio, dividido entre a história principal que leva o título e adaptações de quadrinhos clássicos da Turma da Mônica.


Maurício é o criador dessa narrativa, tida como uma das maiores influências na formação de inúmeras crianças brasileiras – incluindo a mim. Minha alfabetização, sempre enaltecida por minha avó, se deu nas páginas de suas histórias. As aventuras lúdicas dos gibis sempre foram mais do que um divertimento; eram também um guia silencioso, traduzindo palavras e ideias com clareza e simplicidade para quem ainda engatinhava na leitura. Nesse sentido, voltar ao universo de Maurício de Sousa em Mônica e a Sereia do Rio é como revisitar a infância,  minha e de tantos outros.


No filme, os elementos familiares estão lá: a cor vibrante, a espontaneidade das falas e as situações que beiram o fantástico. Juntamente a isso, há uma sensibilidade que traz conexão, não apenas como espectador, mas como alguém cujos laços por estas histórias beiram quase o maternal com os personagens. A sensação de magia ao ver Mônica, em seu formato de desenho, interagindo com uma sereia, em seu formato de gente, é um reflexo de como o imaginário infantil se mantém vivo dentro de cada um, mesmo com o passar do tempo.


A sereia, em seu live action, é vivida por Tetê Espíndola. Sua voz quase celestial embala os momentos musicais do filme e oferece um tom de nostalgia à obra. A música não é apenas um fundo sonoro, ela é quase um personagem, como se a melodia fosse um irresistível convite para mergulhar nas águas do rio onde habita, trazendo um elemento sonoro transportante para além do que vemos na tela. Sua música ressoa profundamente como parte do próprio tecido emocional da narrativa; o canto é envolvente ao mesmo tempo que terreno e etéreo. É quase impossível dissociar as águas do rio, a magia da sereia, e a própria história da voz dela. Tetê atingiu várias gerações de ouvintes, em especial com sua canção Escrito nas Estrelas, vencedora do Festival dos Festivais de 1985 e viralizada recentemente com o resgate de Márcia Fu em A Fazenda, que gerou uma grande onda de nostalgia e também fez com que o filme aqui citado fosse tanto redescoberto como descoberto, vista a impensada reunião de Tetê, Maurício e Khouri.


Este último foi o responsável por filmar essas cenas, e sua autoria se faz presente na forma como o filme flerta com o mistério, com o sonho e com a subjetividade. Se, em suas obras, sempre explorou as fronteiras entre o real e o onírico, aqui no filme de Maurício de Sousa, à sua maneira, toca nesses mesmos pontos. Falar de Walter Hugo Khouri é lembrar de um cinema que questionava a realidade por meio do subjetivo. Em filmes como As Deusas e O Anjo da Noite, o cineasta explora os mistérios da alma humana, navegando entre o desejo, o sonho e a introspecção. Em Mônica e a Sereia do Rio, ainda que à primeira vista pareça improvável, há ecos de seu estilo, justamente ao explorar essa tênue linha entre a realidade e o fantástico. A sereia de Maurício de Sousa pode ser vista como uma figura mítica, carregada de significados profundos, tal como os arquétipos que permeavam os filmes de Khouri. Essa busca por uma verdade oculta, por um sentido além do imediato, é algo que, no fundo, une os dois universos, apesar de suas diferenças estéticas.


A onda nostálgica gerada pelas três figuras e essa reconexão com as novas gerações é algo que também dialoga com o filme. Mônica e a Sereia do Rio acaba sendo, em essência, uma celebração do que é eterno: a fantasia, a infância, e a música que nos toca de forma atemporal. Assim como Tetê Espíndola se fez ouvir por milhões de novas vozes por meio da internet, a Turma da Mônica também transcende gerações, permanecendo sempre presente na cultura brasileira.


No final, ao unir Tetê, Khouri e Maurício de Sousa, Mônica e a Sereia do Rio não é apenas um filme infantil; é um elo entre o passado e o presente, entre o lúdico e o filosófico, entre a inocência e a contemplação do desconhecido. Para tantos – assim como eu, que cresci rodeado de pilhas e pilhas de gibis –, essa obra é um retorno ao início, mas com novos significados, enriquecidos pelas camadas que a vida e a arte trazem ao longo do tempo.


Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page