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Foto do escritorArthur de Barros Campos

Três filmes de Warren Sonbert, um breve comentário


Warren Sonbert foi um cineasta experimental que, contemporâneo a outros conhecidos cineastas experimentais do cinema americano, como Michael Snow, Stan Brakhage e Andy Warhol, desenvolveu uma filmografia belíssima de filmes um tanto etéreos que buscavam expressar os sentimentos da juventude americana da época e capturar na película um pequeno retrato daquele momento, um lampejo do que ele pensava sobre si e sobre as pessoas em sua volta.


Warren pertenceu a esse circuito do cinema underground americano dos anos 1960-1970 e foi brevemente reconhecido na época marcando presença em alguns festivais, mas hoje é pouquíssimo lembrado e comentado, e desejo que este texto desperte a curiosidade de mais pessoas para buscar sua filmografia e comentá-la mais profundamente. Aqui, deixo um breve comentário sobre três de seus filmes: The Bad and the Beautiful (1968), Where Did Our Love Go (1966) e Hall of Mirrors (1966).



I. The Bad and the Beautiful (1968)


Assim como em filmes anteriores, Warren se utiliza do nome de outra obra para intitular seu filme — neste caso, um filme de Vincente Minnelli, de 1952, que narra a história de três personagens: um diretor, uma atriz e um roteirista, que têm as vidas marcadas e definidas após conhecerem Jonathan Shields, filho de um grande produtor de Hollywood que pretende continuar o legado do pai aprendendo com seus erros.


Como observado por Jon Gatenberg (uma das poucas pessoas que encontrei comentando a filmografia de Sonbert), Warren desenvolve um paralelo entre sua obra e a de Minnelli a partir do trailer do filme de 1952, que o rotula dizendo: “A vida privada dos famosos e notórios”; e no curta de Warren somos levados à vida privada de casais nova iorquinos. Gatenberg ainda diz que estes paralelos se estendem para como são marcados os casais do filme, sendo que, no de Minnelli, as vidas das personagens são definidas a partir da presença de Jonathan Shields, o homem que, de certa maneira, faz aqueles personagens nascerem para Hollywood, transforma-os em estrelas; já aqui, essa presença se torna Sonbert, que, através de sua câmera, define um destino para aquelas pessoas, santifica aqueles casais.


Warren santifica os casais, ao filmá-los em seus momentos íntimos, transformando sua  intimidade em objeto físico, em filme. Ele se coloca bem próximo dos pares, como um amigo que os visita. De vez em quando interage, mas na maioria do tempo observa, e deixa livres aquelas pessoas para performar da maneira que quiserem diante da câmera, que está ali como se fosse os olhos de Warren — e como se nós, o público, por um breve momento, nos tornássemos o cineasta e, através de sua interpretação, observássemos aquelas pessoas. Somos levados às suas casas, observamos a graciosidade de suas danças, a delicadeza de seus toques, seus abraços e beijos. Todos estão muito felizes e parecem se sentir livres com a (nossa) presença da câmera, e expõem os momentos íntimos do casal, mostram coisas e tocam músicas, nos levam ao parque e performam uma pequena encenação.



O que traz o brilho aos nossos olhos e encanta ao presenciar um amor tão latente e honesto é justamente a maneira que Warren decide filmar e montar tudo isso. O filme é marcado pela presença de vários casais, e a cada um deles é dedicada uma música, todas em um estilo bastante semelhante, um pop-rock que confere à obra um clima e ritmo confortáveis e condizentes com a presença visual do amor que aquelas pessoas expressam. O filme inicia e termina o momento de cada casal em tela de acordo com o início e o fim de cada música, nos colocando em um ciclo de sempre esperar o próximo casal e a próxima canção, de maneira a compreender que estamos em uma espécie de sonho do autor, onde Warren expressa sua memória e sua imaginação dos casais na película. 


A maneira que o realizador filma integra muito a diegese no jeito que os casais marcam presença em tela; eles são, muitas vezes, destacados do cenário, como em um sonho mesmo, tornando-se os objetos principais dessa experiência, realçados, às vezes, por uma iluminação que é forte demais em contrastar seus rostos e movimentos mais importantes, como toques e carinhos, e deixando parte de seus corpos obscuros na imagem. Assim, não é possível ver na totalidade aquelas pessoas, mas uma visão específica que Warren tem e pretende transmitir delas; e deixá-las mudas, apenas destinando à música o papel de dar vida sonora para aqueles casais, de certa maneira, ajuda na transmissão do sentimento do amor. Talvez o diálogo transformasse o conceito em algo realista demais, nos tirasse da ideia do filme como lembrança do sentimento, como uma impressão da paixão na película, uma memória física daquelas emoções sentidas, observadas e interpretadas por Warren.



II. Where Did Our Love Go? (1966)


Where Did Our Love Go?, lançado dois anos antes de The Bad and The Beautiful, também se utiliza de outra obra para ser intitulado: neste caso, trata-se de uma música do grupo musical feminino The Supremes, que questiona a consistência de um amor, o medo de perdê-lo, da distância e a tentativa de entender para onde foi o sentimento. De certa maneira, o filme vai questionar um amor — vai, na verdade, explicitar esse amor na tela, através de não apenas imagens gravadas por Warren, como inserções de outras obras dentro do filme. Esse amor é o de Warren pela arte, uma homenagem à arte vigente da época, da estética da pop arte e da música pop americana.


Diferentemente do anterior,  que utiliza da música para estruturar um modelo de montagem que visa a construir capítulos demonstrando um ciclo narrativo mais específico, aqui a música é aplicada de forma a estabelecer esse clima onírico, sempre presente nos filmes de Warren, esse entendimento que estamos seguindo a visão do diretor naquele momento, experienciando a juventude e a arte americana dos anos 60 segundo sua interpretação.


Através disso, o filme apresenta uma espécie de passeio, exibindo alguns espaços como se estivesse em um dia livre, andando pela cidade, visitando galerias de artes, indo à casa de amigos para conversar, tudo isso acompanhado de músicas que compreendem esse momento como algo onírico, que criam para o público um certo sentimento de nostalgia, através de imagens que pensam muito no corpo e nas pessoas em contato com o ambiente. Uma cena que explicita isso é a sequência da música “Past, Present & Future”, quando a música diz “shall we dance?” e evoca um instrumental mais enérgico. A câmera passeia por aquelas pessoas na galeria de arte, mostra seus pés e seus rostos rapidamente, criando uma sinfonia muito bonita entre aqueles visitantes e as obras expostas  nas paredes.



III. Hall of Mirrors (1966)


Hall of Mirrors começa com uma inserção da cena de um filme de 1948 chamado An Act of Murder; nesta cena, vemos um casal de idosos entrando numa sala de espelhos, e a mulher fica presa. As imagens se tornam repetitivas, e o desespero dela aumenta a cada corte — ela procura, procura e procura uma saída, mas não a encontra, e o filme ainda persiste em uma certa repetitividade para mantê-la nesse terror claustrofóbico de estar consigo, sozinha num espaço sem saída, tendo que lidar com sua imagem infinitas vezes lhe impedindo de sair do ambiente.


Mais encenado que os dois filmes previamente citados, este não segue um aspecto mais pessoal, sendo uma obra de caráter mais introspectivo que, semelhante a The Bad and The Beautiful, vai utilizar a música para estruturar uma montagem de divisão de capítulos, onde cada canção é utilizada por cena. Em seguida a esse primeiro momento, o filme vai para um espaço doméstico, no qual vemos a presença de um homem solitário, de aparência  apreensivo, ansiosa, e a câmera não o deixa escapar dessa solidão — ela o prende nesse ambiente como um fantasma, e o observa olhar solitariamente para si mesmo, tendo somente um sofá para sentar e pensar.


A última cena é um espelhamento da primeira, quase que literalmente: vemos um homem entrar numa sala de espelhos, demorando-se um pouco, receoso. Já dentro dela, é preso na infinidade dos reflexos, na solidão da autoimagem, e lá ele se observa infinitamente. Por todos os lados, existem apenas duas presenças: a sua e a do cineasta, que ele parece ignorar, contemplando, quase que admirado, uma tristeza de estar só e apenas conseguir ver a si mesmo, preso.

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