Ao entrar em contato com as imagens iniciais de Rotting in the sun, na qual a câmera na mão e a lente grande angular revela um episódio cômico de crise depressiva de um cineasta em uma praça, onde ele é distraído pelas imagens ao seu redor e as que ele seleciona em seu celular, tive a sensação de estar assistindo a um found footage cômico. Esse é um estilo fílmico que se utiliza do dispositivo da câmera de forma autoconsciente como um registro documental de acontecimentos. No entanto, em toda a sequência inicial e em diversas posteriormente, com exceções da câmera nas redes sociais, não existe a revelação da presença do indivíduo que opera a câmera. Estabelecendo, assim, uma presença física invisível que explora os espaços. Tal qual ocorre entre a aproximação e distância da câmera acompanhando Danny em seu triciclo na sequência dos corredores em O iluminado, de Kubrick. Esse estilo possui uma tensão sobre os limites entre a ficção e a realidade, ao ter Sebastian Silva e Jordan Triestman interpretando eles mesmos no filme, e gera uma expectativa autoconsciente sobre quem está por trás daquelas imagens, a qual é equivalente ao conflito do próprio personagem que está buscando as próprias imagens dentro de uma crise no seu processo criativo e também explora as relações entre contrastes como a hiper visibilidade com a invisibilidade e a realidade com a ficção.
Em meio ao processo de busca pelas próprias imagens, Sebastian busca a distração constante para a sua depressão pelo consumo consciente de outras imagens, sejam elas animações surrealistas ao consumir drogas ou imagens e vídeos engraçados em redes sociais que tornam a montagem descontínua e a profundidade de campo baixa, isolando-o do mundo. Tal isolação é ainda mais notável, nas cenas da praia de nudismo gay, na qual o processo de busca pelas próprias imagens entra em contato com pessoas que possuem uma imagem estabelecida de si e do próprio corpo, as cenas de sexo e nudez colocam Sebastian como uma testemunha e não um como um voyeur daquele mundo, ou seja, não existe um envolvimento do olhar que leve ao prazer. Além de que, essa invisibilidade da presença física que opera a câmera é contrastada com a intervisibilidade dos corpos em cena, que também é construída pela visualidade de imagens que eles fazem de si através do uso das redes sociais, como ocorre com o personagem de Jordan, um influencer digital que quer fazer um projeto com Sebastian. Nele existe um Found Footage de imagens já encontradas, uma pessoa que, aparentemente, já sabe quem é.
A trajetória de busca pelas próprias imagens, feita por Sebastian, cessa radicalmente e se transforma em uma imagem privada, concreta e cômica por conta de sua morte acidental de queda, cometida pela Señora Van, sua empregada doméstica, quando eles estavam levando um sofá do terraço para o apartamento. Ao testemunhar essa cena, me vejo diante de uma imagem que ainda não foi encontrada pelos outros tendo sido provocada por uma inocente culpada. Aqui, a câmera na mão persegue e se aproxima de uma mulher que observa descuidadamente os próprios comportamentos e tenta criar uma imagem inocente e não suspeita, através de seu desempenho. Ao mesmo tempo, que usa das suas ações para auxiliar na desconstrução da dubiedade cômica dos comentários de suicídio nos diários de Sebastian ou no fato dele cantar com o amigo sobre beber veneno. Isso permite criar ficções imagéticas e imaginativas sobre o “desaparecimento” de Sebastian, como ocorre ao colocar uma embalagem de veneno na lata de lixo que sugere suicídio. Enquanto isso, Jordan tenta encontrar Sebastian utilizando a câmera dos seus stories, como estilisticamente em um Found Footage, para registrar os acontecimentos. No entanto, a imagem de Sebastian que se quer encontrar está fora do campo. Ele se torna uma presença invisível imageticamente entre os personagens e, assim, faz perceber que a observação sobre si é imaginativa em um mundo focado na objetividade do registro.
O filme está disponível na Mubi Brasil.
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