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Foto do escritorLuiz Gustavo

“Redenção”: O contexto das desculpas

Urko Olazabal e Blanca Portillo | Foto: Divulgação/ Pandora Filmes

Me desculpe. 


Seja ela lida em voz alta ou por nossa voz interior, há uma primeira pessoa contida na emissão da frase. É a expressão do eu por meio de um instrumento que deseja atingir o outro, podendo, inclusive, ser recusado pelo ouvinte. Além disso, contamos com uma presença fantasma daquilo que foi antes dito ou feito para fazer essa frase emergir. Uma ofensa ou agressão configuram a virtualidade da desculpa, o seu contexto. 


Em Redenção, dirigido pela espanhola Iciar Bollaín, o pedido de retratação citado anteriormente ocorreu 11 anos após a morte do político José María Jáuregui, que foi assassinado por Luís Carrasco (Urko Olazabal) e Ibon Etxezarreta (Luis Tosar), membros da organização armada ETA (Pátria Basca e Liberdade). Já a receptora da redenção é representada por Maixabel Lasa (Blanca Portillo), viúva de José, que aceita se encontrar com um dos assassinos, que está preso, na tentativa de encontrar alguma justiça.


No filme, o acompanhamento do cotidiano de Luís e Maixabel por meio da montagem paralela estabelece a tentativa de expressar as diferenças da primeira pessoa do discurso: aquele que se arrepende e aquele que perdoa. Além disso, as constantes faltas, seja por meio das elipses das memórias de Luís ou pela virtualidade da presença de José – existindo apenas pelo discurso – tornam a obra uma paisagem sobre os contextos das desculpas, das imagens que ocorrem ao redor da redenção e que surgem a partir da expressão do arrependimento para alguém.


Em Luís, essas imagens são dotadas de subjetivação quando apresentam os acontecimentos a partir de fragmentações. Podemos observar isso logo na primeira sequência do filme, quando acompanhamos a cena do assassinato. Nela, cada momento é dotado de ações rápidas, que ocorrem em planos fechados, gestos que poderiam ser feitos por um humano qualquer. Segurar as mãos no volante, apagar as digitais com cola, apontar a arma na cabeça de alguém sem que vejamos o rosto da vítima e do assassino. As elipses se sucedem como forma de desorientação em relação ao passado violento e suas consequências no presente.


Urko Olazabal | Foto: Divulgação/ Pandora Filmes

Dentro do camburão, sendo transferido de prisão, com o olhar de Luís sobre a rua, vemos as paisagens se desfazerem rapidamente. A cada piscar de olhos, as ruas pulam de uma para outra sem que tenhamos acesso aos caminhos perseguidos. A ausência das imagens gera uma opacidade sobre o personagem. Um distanciamento que se torna perceptível pelos fragmentos de imagens de violências vistas antes, que vão se dissolvendo num processo de ressocialização, de construção de novas vivências – a partir da relação com sua mãe e com Maixabel.


A viúva tem o seu processo de luto demonstrado como um paralelo ao cotidiano de Luís. Sendo sua primeira imagem em cena obtida por meio de um reflexo no espelho em um plano longo, que a descentraliza do quadro, a vemos do lado esquerdo, emoldurada pela porta do banheiro, enquanto também observamos o corredor que dá para a sala – lugar de onde ouvimos um telefone tocar insistentemente. Maixabel recebe a notícia da morte do marido. Ela existe como um reflexo daquilo que a acomete, sendo delimitada pelos espaços que ocupa. Imóvel e receptora. É emoldurada nas portas de casa, hospitais e tribunais, além de retrovisores, enquanto a câmera se mantém a distância. Desenha-se nos planos que se dilatam uma forma de prisão as memórias da violência que matou seu marido. Uma estética do isolamento, da ausência provocada pelo luto. Tal formalismo se flexibiliza na obra por meio do compartilhamento do mesmo espaço no encontro com Luís. O encontro de temporalidades cotidianas distintas no espaço, feito antes por meio da montagem paralela, agora dá lugar ao plano e contraplano em uma sala na prisão. Ao aceitar o convite de desculpas do preso, Maixabel permite a si um modo de libertação do isolamento do plano. Acompanhamos a troca entre os personagens a partir de suas ações e reações na conversa – sendo essa captada constantemente sob os ombros do outro, enfatizando a presença de ambos – que conversam sobre uma ausência.

Sequência do Cemitério; Urko Olazabal em destaque | Foto: Divulgação/ Pandora Filmes

Somos testemunhas de um momento íntimo, de uma reconstrução de realidades passadas a partir da fabulação. Somos convidados a imaginar junto aos personagens seus gestos passados. Seja entre José e Maixabel, como as ligações que ocorriam quando o casal estava distante, ou a experiência angustiante de Luís ao acordar com as imagens de violência cometidas por ele próprio. Ambos compartilham imagens fantasmas de contextos passados. Mas, ao longo do filme, a desculpa se desloca do pronome pessoal do seu sujeito – eu me desculpo – com seus planos mais próximos e com ângulos sob os ombros dos personagens  para uma catarse coletiva de planos conjuntos entre coadjuvantes.


Em seus planos finais, amigos e familiares de José celebram o fim da organização armada ETA, com a presença de Luís levando flores para distribuir na lápide de José. “Vermelhas para o passado e brancas a partir de agora”, segundo ele. Apesar de estar isolado com Maixabel no cenário montanhoso, as outras pessoas também carregam flores e hesitam um contato com Luís inicialmente. Observam os seus movimentos de redenção, que logo se tornam coletivos ao iniciarem uma canção em conjunto. O vozerio em sintonia com as pessoas atravessa planos de Maixabel e sua filha, assim como de outros familiares e amigos, que seguram flores vermelhas iguais às postas na lápide pelo presidiário. Ocorrem trocas de olhares entre familiares, Luís e a lápide, feitas somente a partir da junção entre os planos, conseguem evocar um contexto de pedido coletivo para José. 


Desculpe


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