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Foto do escritorMarcelo Formiga

Os pontos de vista hiper conclusivos em "Monster"


Monster (2023) começa como um drama familiar, do ponto de vista de uma mãe solteira tentando entender o que está acontecendo com o seu filho, o que cria um mistério em torno das possibilidades do ocorrido. Apesar de, para mim, esse ter sido o trecho mais entediante do filme, por conta de seu teor repetitivo e ritmo lento, em um primeiro momento gostei de como Kore-eda coloca o espectador diante de uma posição onde mais incertezas do que certezas são levantadas, não se encaminhando para algo que indique uma verdade muito conclusiva sobre os acontecimentos, até pelo fato de Minato (Soya Kurokawa) só estar sendo observado de longe.


Estamos acompanhando Saori (Sakura Ando) de maneira contínua há mais de trinta minutos, como se ela fosse a protagonista; mas, no momento em que deixamos de acompanhá-la, acontece a primeira grande quebra narrativa do longa. Somos jogados novamente para o começo da história, só que a partir do ponto de vista de Hori (Eita Nagayama), um professor do colégio de Minato; a partir daí, tornou-se muito claro como algumas decisões do filme parecem não fazer muito sentido com a própria proposta. Existe uma mudança de ritmo muito grande, uma vez que as aparições do professor acabam sendo bem mais pontuais, e os dias, menos dilatados; mas achei pior o fato de, ao invés de colocar mais pulgas atrás da orelha do espectador e continuar a fomentar uma dúvida, essa parte faz quase que o contrário, funcionando mais para explicar certas situações que ocorreram de maneira estranha no outro ponto de vista, de Saori – o filme deixa bem claro que aquilo é um fato, e não uma perspectiva, como algo que poderia ser manipulado através de um outro olhar sob a mesma situação.



Acho que o que funciona melhor em tal instante é como o questionamento acerca de  quem seria esse “monstro”, ilustrando como alguns personagens parecem diferentes a depender do que conhecemos sobre eles. Isso acaba se relacionando também com um breve arco da diretora da escola, que é desenvolvido de maneira mais gradual ao longo da trama. Ainda assim, mesmo que comece a explanar demais certos pontos, é válido destacar que existem bons momentos dramáticos do professor, e a dúvida inicial sobre o que pode ter acontecido com o garoto continua a ser alimentada, principalmente quando culmina em uma cena de suspense.


A parte final foi a que eu tive uma relação mais ambígua. O que menos gosto é de como todo o suspense e incertezas das partes anteriores são basicamente deixados de lado, de modo que, aqui, as cenas funcionam praticamente sozinhas, tornando-se um pouco mais rápidas –  como se esse ato final estivesse concluindo o plot twist da história da maneira mais explicativa possível, através do ponto de vista da verdade absoluta, fazendo com que todo o mistério perca seu valor e torne o grande panorama das partes anteriores irrelevante. Entretanto, o mesmo recurso parece funcionar muito bem como um drama de Minato; nesse sentido, acho que é a minha parte favorita do filme, por ser onde os momentos de leveza se confundem com momentos pesados de insegurança.



Como drama de personagem, gosto de como traz uma complexidade para cada um de seus personagens que têm o ponto de vista explorado, evidenciando uma multidimensionalidade da situação; mas, ao mesmo tempo, não gosto de como essa divisão cria um falso senso de mistério, que ao final parece inútil. Assim, cada parte parece funcionar melhor como núcleo dramático individual do que em conjunto – inclusive, tive a sensação de que o último ato, daria um ótimo curta metragem e teria um efeito parecido com o que tem aqui, dentro do longa. 


A comparação com Rashomon (1950), obra-prima do realizador japonês Akira Kurosawa, é basicamente inevitável –  ao contar a mesma história através de diferentes pontos de vista, e ainda mais se tratando de filmes japoneses, já estamos falando sobre "efeito Rashomon" – mas, enquanto o grande trunfo do filme de Kurosawa está em como articula um suspense através da inconclusibilidade da verdade, em Monster, mesmo que comece levantando perguntas, termina trazendo respostas e mais respostas. O que menos gosto é como, ao invés de construir seu drama de maneira mais direta, a obra de Kore-eda opta por uma narrativa não linear, que cria um suspense de sugestões, nunca parecendo contribuir com o desenvolvimento de Minato, além de tornar o ritmo muito oscilante.

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