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Foto do escritorWandryu Figuerêdo

O Eco Ansioso em "Akira"

Divulgação: Toho

Sob uma perspectiva zenital, a câmera desliza entre os arranha-céus de uma cidade que parece deserta, quase morta. O silêncio é profundo, pesado pela ausência de carros, sem o clamor do trânsito. Conforme a câmera ajusta seu ângulo, um flash branco rasga o céu, seguido pela explosão devastadora de uma bomba no coração da cidade. Não há gritos, apenas o sussurro do vento, como se a destruição estivesse se aproximando da própria lente. Anos se desdobram em instantes, e os letreiros indicam: estamos em 2019, em um Japão renascido, mas ainda paralisado, envolto por uma luz fria que permeia cada canto. As cores se misturam aos tons futuristas do caos urbano contemporâneo, mas, apesar da modernidade, a cidade permanece manifestada na desordem. 


Vinte e seis anos após o lançamento de Akira, este texto surge em meio às celebrações do Dia das Crianças. No entanto, apesar do tempo transcorrido, os aspectos cinematográficos do filme, dirigido e escrito por Katsuhiro Otomo, continuam ressoando de maneira inquietante com as dinâmicas sociais de 2024. Se Tetsuo, em sua ascensão destrutiva, simbolizava o medo do poder descontrolado, hoje nos deparamos com narrativas sobre a influência do digital nas nossas relações humanas. As ansiedades e tensões que emergem dessas interações tecnológicas ecoam os dilemas de poder e identidade presentes em Akira, reafirmando sua relevância. 


Antes de mergulharmos no clímax narrativo, envolvendo o mistério que cerca a figura messiânica de Akira e o confronto entre Tetsuo e Kaneda, protagonistas da obra, devemos considerar as várias camadas de caos social que permeiam a história. Esse caos é retratado tanto nos planos de localização quanto nas interações dos personagens, muitas vezes imóveis e silenciados diante do colapso. Na visão de Katsuhiro Otomo, que inicialmente acreditava que o filme seria um fracasso, o tema central de Akira é a insegurança. Após o conflito que abriu um vasto buraco no território japonês, em vez de se buscar soluções comunicacionais, o mundo se transformou em um cenário caótico, onde a tecnologia se inseriu como uma forma de defesa, quase uma preparação para a próxima explosão, o próximo "Akira".


Dentro desse ambiente distópico, os amigos de Kaneda e Tetsuo — membros de uma gangue de motoqueiros — encontram diversão em meio a conflitos violentos. Eles não estão preocupados com as batalhas territoriais que destroem a cidade, nem com os planos secretos do governo no subterrâneo. Para eles, o cotidiano em Neo-Tóquio é marcado pela brutalidade: um pedaço de metal atingindo a cabeça de um rival de outra gangue não é algo chocante, é simplesmente parte da rotina. Essa indiferença reflete o estado de uma sociedade em ruínas, onde a violência e o desespero são a norma, e a própria sobrevivência se torna um ato de rebeldia.

Divulgação/ Toho

De repente, tais atos, que antes passavam sem punição formal, encontram suas consequências. Um ser sobrenatural emerge do subterrâneo, interrompendo Tetsuo, que perseguia com sua moto um membro de uma gangue rival. A criatura do submundo apenas estica seu braço, utilizando seus poderes, antes de atingi-lo, por pura inocência, apenas para se defender. A moto do garoto explode ao colidir com seu corpo, e é nesse instante que seus poderes se manifestam, deformando seu corpo ao ponto de se fundir com o chão. O governo intervém rapidamente, recolhendo os corpos que considera "interessantes" — entre eles, o ser misterioso e Tetsuo —, enquanto os outros delinquentes são jogados em uma cela por uma única noite. Mas essa noite é o bastante para desencadear um caos mental em Tetsuo, cujo maior desejo era, até então, apenas possuir uma moto vermelha. 


Diante da força avassaladora que toma conta do corpo de Tetsuo, poucos ousam sequer se aproximar, seja por palavras ou pelas balas que se provam inúteis contra ele. De forma abrupta, o protagonista conquista aquilo que sempre almejou: poder. Seu nome começa a ser sussurrado como o de Akira, o ser lendário que uma vez devastou parte do Japão. No entanto, armado com uma moto e um rifle laser, Kaneda, seu antigo melhor amigo, parte em direção a Tetsuo, decidido a confrontá-lo por meio da violência. O combate que se segue é brutal e desigual. Mesmo sem experiência, Tetsuo demonstra que sua força recém-adquirida supera a de seu antigo líder. 


Quando todos se afastavam de Tetsuo, incapazes de encará-lo, Kaneda foi o único a adentrar seu território, sozinho, decidido a enfrentar o antigo amigo. Montado em sua icônica moto vermelha, ele usa a velocidade como arma para tentar  retaliar Tetsuo. O confronto explode, e o descontrole de Tetsuo fica evidente. Toda sua ansiedade, reprimida por tanto tempo, toma forma física, transformando-se em uma criatura gigantesca, um bebê monstruoso que consome tudo ao seu redor. O ódio que sentimos por sua arrogância se converte em desespero quando, em um momento de fraqueza, Tetsuo implora por ajuda a Kaneda, talvez pela última vez. A ansiedade de Kaneda também se revela. Apesar de Tetsuo ter causado caos e destruição pela cidade, ele ainda é o mesmo garoto que conheceu Kaneda no orfanato, o mesmo garoto que viu perder seu brinquedo e que, sem hesitar, lutou para recuperá-lo. Mesmo com o rosto inchado e o olhar exausto após apanhar, Kaneda não deixou de ser o amigo leal, o líder do seu grupo. 


Capaz de conter o caos através do diálogo, a figura messiânica de Akira ressurge, interrompendo a destruição crescente provocada por Tetsuo. Sem palavras ou explicações, sua presença é o suficiente para mudar o rumo da catástrofe. O céu e o mar se fundem em uma tela vibrante, preenchida por cores intensas, sugerindo que desta vez Neo-Tóquio pode seguir um caminho diferente. Como em um momento poético, o horizonte se dissolve, e a água parece encontrar os céus, simbolizando uma esperança silenciosa de reconciliação. Após quase duas décadas, Akira conseguem nos conectar com jovens motoqueiros, que praticam atos rebeldes em busca de visibilidade e poder, mas não deixam de ser impactados por essas figuras de opressão, como também criaturas celestiais que ressurgem em minutos para recomeçar os fragmentos espirituais da Nova Tóquio. 


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