A comédia romântica, isto é, a felicidade e o amor, indica um caminho entre os milhares de caminhos que fazem o labirinto de uma grande cidade.
O diretor do aclamado curta Fantasmas (2010), André Novais Oliveira, retorna à direção de um longa-metragem e apresenta uma comédia romântica que desafia os clichês do gênero ao moldá-los à realidade urbana da capital mineira. Zeca (Renato Novaes) trabalha na biblioteca de uma escola particular a quilômetros de sua casa. Tudo parece um desafio para chegar lá: mesmo quando consegue vencer o sono e acordar cedo, o ônibus quebra, e ele tem que correr um pouco para não perder o próximo. Quando chega no trabalho, Luísa (Grace Passô), que trabalha na mesma escola que ele, anuncia que Zeca está sendo demitido pelo excesso de atrasos e faltas não justificadas. Luísa, então, oferece carona ao colega de volta para casa, e é aí que começa uma relação entre os dois.
A comédia do filme, e seu inseparável romance, é construída de maneira um tanto intimista, dando lugar ao silêncio como forma de construção tanto do relacionamento entre Zeca e Luísa, quanto do humor do filme. Zeca, como revela logo, tem depressão e está dormindo demais por causa dos remédios; em seguida, Luísa assume que também compartilha de problemas psicológicos semelhantes. É desse inesperado ponto em comum que começa a se construir um surpreendente romance que, sem perder a leveza, ilustra bem a vida conturbada dos trabalhadores de meia-idade nos grandes centros urbanos. O silêncio, então, é justamente o elemento que impede uma hiper-dramatização das questões pessoais dos protagonistas, pois o anúncio sem floreio dos seus problemas não os reduz a grandes questões sociopsicológicas, de forma que o foco se estabelece na simplicidade com que os personagens têm em compartilhar suas dificuldades um com o outro de forma ora íntima, ora cômica, mas que estabelece uma relação de intimidade.
No geral, a obra é muito simples formalmente, e é precisamente disso que tira seu maior potencial, pois é da simplicidade que a comédia romântica comumente se constrói. É do simples que emociona, pois é o simples que torna um romance tão universal. Nesse sentido, também o enredo acompanha essa simplicidade, de forma que a maior parte da obra se trata dos dois personagens conversando enquadrados nos mais diversos e expressivos planos-de-dois. Sobre esse tipo de plano, um uso muito interessante no filme são as cenas de carro, que compõem parte considerável da obra. A câmera se posiciona como que no banco de trás, de forma que vemos a silhueta das costas dos dois personagens; à frente, vemos uma rua retroprojetada para simular o ambiente da cidade. Por vários minutos, o que temos é uma conversa intimista e às vezes cômica que tem como plano de fundo esse ambiente projetado, essa rua que, vista de dentro deste interior escuro do carro, parece uma tela de cinema. Ora, o cinema é essa arte que — pelo menos originalmente — é formada por esse ambiente escuro coletivo em que se contempla uma imagem projetada em movimento. O diretor parece encontrar, numa simples conversa de carro com a cidade ao fundo, semelhante sentimento, semelhante beleza, como se a relação entre o casal transformasse a vida em cinema, em arte.
Já pelas cenas de carro descritas é notável um outro aspecto do filme: o constante movimento, a constante necessidade de chegar a um determinado lugar. A partir disso, o filme usa muito bem diferentes enquadramentos e aproveita bem a larga razão de aspecto para redirecionar o sentido da ação, dando novos rumos ao caminho tomado por Zeca e, logo depois, também por Luísa.
Primeiramente, assistimos a Zeca correndo por toda a tela com uma trilha sonora que torna quase épica a jornada do trabalhador pela gigante BH. Nesse momento, o personagem é enquadrado de forma que o filme aproveita bastante o tamanho do plano, o que torna evidente a horizontalidade do movimento de Zeca, que sempre corre do ponto A ao ponto B, da direita para esquerda ou vice-versa. Às vezes, inclusive, demora a percorrer todo o plano ou o percorre várias vezes. Em geral, essa corrida pelo plano tem um quê de tensão, pois ele pode se atrasar para o trabalho se demorar demais. Em suma, o interessante dessa construção é que Zeca atravessa sempre a tela de um lado a outro, de forma que não há caminho de volta, restando apenas seguir em direção ao seu destino, que extrapola algum dos limites laterais da tela.
Como descrito, a carona no carro de Luísa já dá novos rumos ao sentido da ação. Quando enquadrado da forma como eu descrevi acima, o caminho do carro é o caminho à frente, em profundidade à horizontal do plano. Não resta mais um passeio pelo largo plano aos personagens e, com isso, cria-se uma maior tranquilidade nesse ambiente ameno que remete à sala de cinema. Além disso, claro, não é pouco sutil o caráter simbólico desse redirecionamento: Luísa deu novos rumos também à vida de Zeca.
O plano final da obra ressignifica novamente esse caminho urbano dos personagens. Depois de compartilharem vários problemas e questões pessoais, o casal passa uma noite juntos na casa de Zeca. Quando acorda de manhã, ele vai à padaria comprar pão, a qual é posta ao centro do plano, em uma esquina, de forma que para a sua direita e para a sua esquerda vemos traçado o caminho das ruas da cidade. Novamente, a expressividade da razão de aspecto é bem utilizada, de forma que as ruas parecem se alongar bastante para um lado e para o outro. Já não há pressa, e nem um objetivo urgente a ser alcançado; por fim, ouvimos (mas não vemos) Zeca dizer ao padeiro: “Hoje é pra levar, viu, seu Sérgio?”. Há, enfim, um caminho de volta pra casa.
Com isso, é notável a forma como o diretor constrói esse ambiente urbano, um mosaico de caminhos no qual os personagens tentam se encontrar. Para isso, a comédia romântica é um meio muito interessante, que se insere nas questões sociais e as contradições do trabalho contemporâneo, mas oferece um vislumbre de esperança. É por meio do silêncio que a obra desenvolve essa leveza íntima de maneira cômica e romântica e torna simples questões bastante complexas da vida psicológica dos personagens. Para toda essa construção, foi fundamental o uso inventivo da razão de aspecto mais alargada, que hoje é padrão no cinema, mas frequentemente é negligenciada em seu valor expressivo. O Dia Que Te Conheci pode até partir de alguns clichês do sub-gênero, mas abraça essas ruas tão brasileiras e encontra nelas direção para o futuro, que aqui se resolve, claro, com amor.
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