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Foto do escritorWandryu Figuerêdo

Janela de Cinema 2023 | Não é apenas sobre outra garota: "Just Another Girl on the I.R.T"



Situado no bairro do Brooklyn, Just Another Girl on the I.R.T. apresenta Chantel Mitchell, interpretada por Ariyan A. Johnson, uma jovem que cresce em uma vizinhança periférica com alguns contratempos caseiros. Seus sonhos incluem frequentar a faculdade de medicina e concluir o ensino médio um ano antes do esperado, metas que seriam consideradas simples se não fosse pelas barreiras que enfrenta devido a seu gênero, etnia e contexto socioeconômico. A história adere uma nova camada quando Chantel quebra a quarta parede, convidando-nos a entrar em seu mundo e compartilhando suas perspectivas, sendo profundamente influenciada pelo ambiente em que vive. Sua forma de comunicação utiliza um estilo cômico e provocador, empregando diálogos que refletem uma realidade verbalizada pela personagem. Todas as suas interações ao longo da narrativa estão impregnadas de uma sensação de luta contra um futuro incerto. Parece que Leslie Harris, a autora do filme, baseou-se em suas próprias experiências para criar essa história, marcando seu primeiro longa-metragem. Embora Leslie Harris tenha tido uma carreira cinematográfica relativamente curta, seu impacto é notável. Just Another Girl on the I.R.T. instiga os espectadores para refletir sobre as várias Chantel Mitchell que de alguma forma foram invisibilizadas com a passagem do tempo.


Nos primeiros minutos do filme, a protagonista enfrenta conflitos iniciais que a distinguem de obras semelhantes, como Faça a Coisa Certa dirigido por Spike Lee. Chantel Mitchell não parece tão preocupada com sua posição social ou emprego como o protagonista da obra anterior, se em Faça a Coisa Certa, o discurso demora para surgir, somos levados para o confronto no primeiro encontro da personagem. Em vez do silenciamento, ela reage com um cliente da loja que trabalha com misto de incredulidade, sarcasmo e questionamentos ao suposto sistema americano que falha em abordar a divisão racial latente nos Estados Unidos. Outro exemplo disso ocorre na sala de aula, onde a personagem expressa sua perplexidade com o fato de estarem discutindo a Segunda Guerra Mundial, enquanto uma divisão racial persistente permeia os bairros norte-americanos. Seu professor, branco, insiste em seguir o cronograma estabelecido, criando a impressão de que os alunos negros, na realidade, também precisam está preso a um caminho predefinido em suas vidas cotidianas. Ao contrário da suposta representação de igualdade em um sistema educacional, os olhos observadores dessas ações, os olhos negros, têm opções limitadas após a conclusão de seus estudos. Muitos jovens negros, em sua maioria homens, veem na entrada na universidade uma oportunidade, muitas vezes vinculada ao desempenho em esportes, como se fossem mercadorias. Por outro lado, as mulheres negras são raramente consideradas para esses espaços, devido suas posições de gênero e raça, e enfrentam o temor de serem aprisionadas por desafios adicionais em suas comunidades, como gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis.



Após mais uma discussão intensa, fica evidente o quão desafiadora é a vida da protagonista. Sua rotina é repleta de responsabilidades, ao cuidar principalmente de seus irmãos mais novos, enquanto tenta equilibrar sua vida acadêmica, social e relacionamentos amorosos. Quando ela aborda um possível problema relacionado à sua vida sexual, uma gravidez, com risadas, essa discussão se torna uma realização a ser superado em sua jornada. A personagem se encontra em uma situação delicada, grávida e sem saber ao certo qual caminho prosseguir. Mesmo que ela irradie uma sensação de liberdade, enfrenta dificuldades em decisões que podem modificar sua vida. Estes momentos de desestabilização de Chantell, apesar da maneira direta da diretora com intervenções que quebram a quarta parede, revelam nuances de uma complexidade difícil de retratar, acrescentando um elemento de sensibilidade à narrativa na totalidade. Mesmo que a personagem apresente traços de maturidade, é importante destacar que isso não a impede de ser vulnerável, confusa e imatura. Além disso, é essencial lembrar que estamos lidando com uma jovem mulher negra, que cresceu em um contexto periférico e tem apenas 17 anos. Não é realista esperar que ela tenha todas as respostas, pois ainda tem um vasto mundo para explorar. Caso ela opte por levar adiante a gravidez, seu universo se restringirá principalmente ao seu bairro, o que adiciona uma complexidade em torno do que ela deseja para seu futuro.


Em um cenário onde as luzes se tornam vermelhas, lançando sombras sobre a cama, Chantell e seu namorado enfrentam um parto prematuro com a angustiante necessidade de manter em segredo a chegada do bebê, ao mesmo tempo em que clamam por ajuda. Assim como aconteceu durante a discussão sobre doenças sexualmente transmissíveis, a diretora brinca habilmente com nossas expectativas em relação ao destino de Chantell. Mesmo num ambiente desprovido de assistência médica adequada, o bebê nasce. A primeira reação de Chantell é se afastar da criança, incapaz de encará-la diretamente. Ela pega um saco de lixo e o entrega ao namorado, que corre com o bebê nas mãos, aparentemente para descartá-lo no lixo. Entretanto, nossas expectativas são novamente surpreendidas quando descobrimos que o namorado não o colocou na lixeira, mas o deixou em um canto da casa. Chantell observa sua filha e começa a perceber que pode superar esse desafio. Mais uma vez, ela quebra a quarta parede, debochando de nós, espectadores que esperavam um filme melancólico sobre a derrocada de Chantell. Com uma família em um cenário natalino, a neve cai no seu rosto com a mesma liberdade que ela questiona o racismo dentro do seu bairro.


Esta crítica faz parte da cobertura do XIV Janela Internacional de Cinema de Recife.


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