Todos nós já conhecemos Nova York, com suas ruas bastante características, seus táxis amarelos, a agilidade da cidade, sua arquitetura, seus personagens diversos… Somos acostumados com esse ambiente, de visitá-lo por dezenas de vezes, ano a ano, através do cinema; aos poucos, nos tornamos um de seus personagens, não um que vivencia, mas que preenche o espaço de espectador, de ver e experienciar a metrópole através do olhar de alguém.
Conhecer Nova York não se trata, no século XXI, de ter pisado sobre seu chão, de ter andado em um de seus táxis, uma cidade assim se expande além do seu espaço geográfico, através do cinema e da mídia em geral, conseguimos interagir com Nova York sem estarmos fisicamente nela, é uma cidade que se expande culturalmente também. É interessante refletir como tais metrópoles tornam-se não apenas um local ao longe, uma cidade distante que, talvez, seja impossível de se alcançar, mas um ambiente virtualizado, onde a presença não é apenas física. Assistir a Cotton Club (1984) é presenciar parte de sua extensão, é estar nos espaços de riqueza e se envolver com os gangsters da cidade na década de 1930, assistir a Variety (1983) é adentrar o mundo do cinema pornográfico de rua dos anos 1980 e se tornar um consumidor e entusiasta tal qual a protagonista o faz, e por aí vai. De filme a filme, Nova York se torna uma cidade em constante construção coletiva. Cada vez que nós a visitamos, encontramos algo a mais sobre ela, descobrimos novos becos, entendemos um pouco mais sobre seus personagens e, aos poucos, nos tornamos vivos nela, somos parte da vida nova iorquina.
Assistir a Notícias de Casa (1976), de Chantal Akerman, nos dias de hoje, não é mais sobre olhar, junto de Akerman, para uma cidade estranha, para um espaço longínquo e novo, já somos acostumados com aquelas ruas e calçadas — a única estranha ali é a própria diretora. Nossa jornada durante os 85 minutos de filme se torna, então, conhecer a nossa narradora, ver, sobre seu prisma, como é sua relação com a cidade. É através de cartas da mãe que, ao decorrer do filme, vamos desvendando a personagem que Akerman quer representar. A cada carta, a mãe fala do que está acontecendo com a família, como estão as coisas em casa, enquanto questiona a filha sobre a vida em Nova York, muitas vezes reclamando da demora de Chantal para responder às cartas. Tudo isso ilustrado pelas ruas, prédios, comércios e pessoas, tudo filmado com muita calma. As imagens demoram em tela, enquanto ouvimos, simultaneamente, a voz da narradora lendo as cartas da mãe, os sons da rua, as pessoas conversando, os carros passando, barulho do metrô, do vento, da vida. Muitas vezes, o som da cidade toma conta da cena e deixa a narração inaudível, distanciando a vida da narradora do ambiente, um ambiente que destoa bastante da forma como o filme é narrado, totalmente falado em francês, mas situado nos Estados Unidos, ampliando ainda mais a distância entre pessoa e espaço e, consequentemente, da imagem.
Toda essa imageria transborda tédio. Mesmo que seja tema recorrente na filmografia de Chantal, aqui ele é muito mais pessoal, pois o relato que ela está querendo passar para o público é o de si mesma, e não de uma personagem que pode servir de espelho para uma representação própria. Ela está ali, mesmo que invisível. Sua voz se faz presente e, nisso, ela manipula tudo aquilo para criar uma terceira imagem, uma persona de si mesma específica para aquele ambiente e àquela situação estrangeira, alguém que tenta se repelir dali, que tenta esconder no som do metrô as palavras da mãe para, talvez, esconder algo que tem receio em transparecer nessa persona.
Ela se abre e se esconde nesse lugar, a cidade parece solitária demais, triste demais, a Nova York que tanto conhecemos se torna palco de saudade. O uso das cartas denota bastante isso. É sempre a lembrança de que ali não é seu lar, de que, o que a ela pertence, está distante. A cidade que, para nós, enquanto público, é cenário para bastante inventividade e curiosidade, aos olhos de Chantal se torna um tédio descomunal, um local de vida triste, muito mecânica, que carrega em si histórias muito individuais, pessoas diversas, mas que a diretora toma distância.
O final do filme transparece muito isso quando, por longos minutos, a câmera, localizada em um barco partindo para um destino invisível, observa Nova York, e a metrópole vai tomando forma aos poucos, os prédios, com todo o seu visual bastante identificável, e depois se deforma, tornando-se um amontoado de figuras geométricas ao longe. Um local que é quase mítico ao cinema transfigura-se em tristeza à vista de quem agora o deixa para trás.
Comments