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Foto do escritorFernando Figueiredo

Notas sobre "Black Christmas"

Frame de Black Christmas (1974) | Foto: Reprodução

1


I'm dreaming of a white Christmas

With every Christmas card I write

May your days be merry and bright

And may all your Christmas' be White


— Irving Berlin, White Christmas


Black Christmas (1974), dirigido e produzido por Bob Clark, foi inspirado na lenda urbana "A Babá e o Homem no Andar de Cima" e nos crimes do serial killer Wayne Boden. O título, que coloca um antônimo na primeira palavra da clássica canção natalina White Christmas, antecipa o contraste existente entre a data religiosa e a tensão que permeará a trama. Ambientado em uma fraternidade feminina durante as festas de Natal, um grupo de jovens mulheres começa a receber telefonemas obscenos de um desconhecido. O que parece uma brincadeira de mau gosto logo se transforma em noites de terror, à medida que elas percebem que o perigo está dentro da própria casa onde moram.


Com sua atmosfera claustrofóbica e o engenhoso uso da câmera subjetiva para mostrar o ponto de vista do assassino, Black Christmas se estabelece como um marco no cinema de horror. Se hoje temos obras como Halloween (John Carpenter, 1978), Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, Sean S. Cunningham, 1980), A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, Wes Craven, 1984) ou, mais recentemente, Pânico (Scream, Wes Craven, 1996), está aqui o principal culpado.


2


Oh, how they pound

Raising the sound

O'er hill and dale

Telling their tale


— Mykola Leontovych, Carol of the Bells


Definir um gênero ou subgênero cinematográfico, como o slasher, é sempre um exercício reducionista. Ainda assim, para estudá-lo, é preciso identificar elementos representativos e recorrentes num corpo fílmico específico, torná-los visíveis e distintos, a fim de indicar uma estrutura padrão que, embora flexível, estabeleça um modelo.


O slasher é um subgênero do terror essencialmente norte-americano, que ganhou características marcantes a partir do final dos anos 1970. Mas por que “essencialmente norte-americano”? Porque suas convenções foram moldadas pelos contextos socioculturais e políticos da época: o choque entre gerações, criado pela intensificação das liberdades individuais (intelectuais e sexuais) da juventude e o medo dos pais de perderem seus filhos para as drogas e a violência; a Guerra do Vietnã, que trouxe os horrores do campo de batalha para o imaginário doméstico; e, em paralelo, nos anos 1980, a onda conservadora dos “bons costumes” do governo Reagan, personificados na figura da “final girl”.


No campo cinematográfico, o subgênero recebeu influências diretas de outros filmes, notoriamente, Psicose (Psycho, Alfred Hitchcock, 1960) e A Tortura do Medo (Peeping Tom, Michael Powell, 1960). O giallo italiano, em particular o cinema de Mario Bava, também foi uma importante inspiração para a formação e evolução do slasher, com muitos de seus elementos sendo incorporados ao estilo. No entanto, sua gênese se encontra em dois filmes, que podem ser categorizados como os mais imediatos proto-slashers: O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre, Tobe Hooper, 1974) e Black Christmas (Bob Clark, 1974) – esse último, o objeto principal deste texto.


3


Deck the hall with boughs of holly

Fa, la, la, la, la, la, la, la, la!


— Thomas Oliphant, Deck the Halls


Em geral, no slasher, o assassino possui características humanas, embora possa apresentar atributos sobrenaturais. Ele quase sempre usa uma máscara e uma arma cortante, eliminando suas vítimas de forma rápida e num curto espaço de tempo. Esse aspecto o diferencia do giallo, por exemplo, onde investigações policiais complexas e demoradas são comuns. No slasher, não há espaço para apurações criminosas aprofundadas; os adultos (autoridades) são retratados como seres insignificantes e incompetentes, e, normalmente, são desrespeitados pelos mais novos e mortos no decorrer da narrativa. O fato nada tem de estranho, pois o gênero é conduzido por personagens juvenis, ou seja, que veem os mais experientes como pessoas desconectadas de suas realidades. Os cenários também são prova dessa constatação: as narrativas ocorrem em bairros suburbanos afastados, escolas, universidades e acampamentos, todos simbolicamente isolados da comunidade adulta, onde os jovens gozam de uma suposta liberdade por estarem distantes do olhar parental. Além desses locais, muitos assassinos promovem seus massacres em um evento único ou um feriado... como o Natal. Uma das características dos psicopatas é o caráter sazonal de suas matanças, porque seus traumas estão geralmente atrelados a uma data simbólica.

Cartaz de Black Christmas, de Bob Clark

4


Silent night, holy night

All is calm, all is bright


— Franz Xaver Gruber / Joseph Mohr, Silent Night


Black Christmas se inicia com um plano geral de uma casa estudantil, a fraternidade Pi Kappa Sig, ao som de Silent Night (no Brasil conhecida como Noite Feliz). Ainda do lado de fora, a câmera subjetiva acompanha a movimentação de um homem – ouvimos seu caminhar pesado e sua respiração ofegante. Trata-se do assassino, conhecido ao longo da trama como Billy. Ele observa a festa que acontece dentro da casa e escala uma parede em direção ao sótão, que será seu esconderijo: um espaço escuro e empoeirado, repleto de objetos abandonados e teias de aranha. Dentro da casa, o telefone toca. As estudantes se reúnem para atender o chamado recorrente de um anônimo, que se manifesta dizendo palavras vulgares. Durante todo o filme, nunca vemos o rosto completo de Billy e nem conhecemos a real motivação de seus atos.


Usualmente, a estrutura narrativa do slasher é dividida em duas partes: a primeira é dedicada a um acontecimento pregresso, muitas vezes em forma de prólogo, que revela um trauma do assassino, seu modus operandi, motivações e o local onde ele inicia seus ataques; a segunda parte se desenrola no tempo presente da narrativa, em que os eventos se interligam com o passado e provocam o retorno do criminoso.


5


Someday soon, we all will be together

If the fates allow

Until then, we'll have to muddle through somehow

So have yourself a merry little Christmas now


— Hugh Martin / Ralph Blane, Have Yourself a Littl Merry Christmas


No filme de Bob Clark, nada se sabe dos traumas do assassino. Billy não utiliza uma máscara – como será comum nos slashers pós-1978 –, mas esse adereço é substituído pelo uso da cinematografia em sombras. Ele também não possui um método definido, tampouco uma arma que caracterize seu estilo. Sua primeira vítima é Clare (Lynne Griffin), sufocada com um saco plástico. Em uma cena, o assassino embala a jovem, já morta, em uma cadeira de balanço, com uma boneca em seu colo. Em suas ligações, Billy profere repetidamente as palavras “mamãe”, “Ágnes” e “bebê”, sugerindo fragmentos de um trauma de infância. Uma teoria possível seria crer que Ágnes fosse sua irmã, a quem ele teria matado ainda recém-nascida – um contraponto às memórias mágicas que o Natal proporciona às crianças.


6


I'm dreaming tonight of a place I love

Even more than I usually do

And although I know it's a long road back

I promise you

I'll be home for Christmas


— Walter Kent / Kim Gannon, I'll be home for Christmas


A “final girl” é a protagonista que enfrenta o assassino na última parte do filme. Ela é uma personagem com comportamentos moderados, especialmente em relação ao sexo e vícios, embora isso não signifique necessariamente que seja virgem, como se costuma se pensar. A sobrevivente é uma mulher inteligente, amigável, humilde, forte, independente, determinada, capaz de perceber o perigo a sua volta.


Jesse (Olivia Hussey) se projeta ao longo do filme como a “final girl” com um espírito de liberdade admirável. Ela é uma mulher com planos e sonhos, e não pretende renunciá-los por nada. No entanto, existe um obstáculo: ela está grávida de Peter (Keir Dullea) - o que posteriormente o coloca como o principal suspeito dos incidentes. Sua decisão incontornável é interromper a gravidez, contrariando o desejo do namorado e a moralidade cristã, já que o aborto é uma prática condenável, ainda mais na data em que se comemora o nascimento de Cristo. Ao final, Jesse mata Peter. Mas a última cena vai revelar que ele não era o assassino. Billy permanece no sótão, como se fosse o Papai Noel, que nunca é visto nem notado por ninguém.

    Frame de Black Christmas (1974) | Foto: Reprodução
Frame de Black Christmas | Foto: Reprodução

7


Said the night wind to the little lamb

Do you see what I see?

Way up in the sky, little lamb

Do you see what I see?

A star, a star, dancing in the night

With a tail as big as a kite


— Gloria Shayne / Noel Regney, Do You Hear What I Hear?


A segunda vítima é Sra. Mac (Marian Waldman), a governanta da casa, assassinada brutalmente com um gancho. Neste ponto, a polícia, aqui representada pelo ingênuo Sargento Nash (Doug McGrath) e pelo Tenente Ken Fuller (John Saxon), entra em cena e começa a ter uma relevância narrativa. Mas o departamento se mostra totalmente inepto, só se envolvendo no caso após encontrarem uma menina de 13 anos sem vida no parque.


8


Hark! The herald angels sing

Glory to the new-born king

Peace on earth and mercy mild

God and sinners reconciled


— Felix Mendelssohn Bartholdy, Hark! The Herald Angels Sing


A terceira vítima, Barbara (Margot Kidder), é a mais rebelde e ousada das estudantes, sempre acompanhada de álcool, cigarros e um comportamento irreverente. Sua morte é a mais marcante do filme. Em uma montagem paralela, Barb é atacada enquanto dorme com um adereço natalino pontiagudo de cristal, enquanto um coral infantil canta para Jesse na porta de entrada da residência. O vermelho das decorações do cômodo se contrasta com o sangue no corpo da jovem. Seus gritos de dor e desespero são confundidos com as vozes angelicais das crianças. A protagonista, ao fim da apresentação, aplaude o coral, enquanto nós, espectadores, também aclamamos a beleza da sequência brilhantemente construída.


9


He sees you when you're sleeping

He knows when you're awake

He knows if you've been bad or good

So be good for goodness sake


— J. Fred Coots / Haven Gillespie, Santa Claus is Coming to Town


Em Black Christmas, o “lar doce lar” é transformado em um cenário de horror, e os símbolos natalinos são desvirtuados de suas originais funções alegóricas: as luzes, os enfeites e as músicas festivas tornam-se instrumentos narrativos sombrios. O Natal, tradicionalmente um símbolo de paz, união e alegria, repleto de associações à pureza e à infância, representa tudo que vai contra os princípios do slasher. O assassino encarna um “Papai Noel punitivo”, que explora a inocência perdida das jovens mulheres. Como um observador onipresente, à semelhança do Bom Velhinho, Billy espreita nas sombras à espera de “presentear” suas vítimas com a morte.


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