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Foto do escritorRafael Salles

No norte da saudade: “Estranho Caminho”

Lucas Limeira em Estranho Caminho (Foto: Tardo Filmes/ Embaúba Filmes)

“Que estranho caminho tive que percorrer pra chegar até ti.”

Eu sempre quis usar essa frase num filme.


“Regresso”, do latim regrēssus, substantivo masculino: o ato de regressar, retorno.


O jovem cineasta David retorna ao Brasil para participar de um festival de cinema; porém, a chegada do vírus da COVID-19 faz com que o país inteiro se ponha em lockdown, impedindo-o assim de exibir seu novo filme. Após um tempo remanejando seu destino, sua volta para casa se aprofunda ao decidir ir atrás de seu pai, Geraldo, quem não via há dez anos. A princípio, o reencontro dos dois é permeado por um sentimento de estranheza. O patriarca se mostra reservado e sem muitos movimentos que sugerem uma abertura ao filho distanciado. Apesar da frieza constante, o pai tem momentos rápidos, quase como flashes, de afeto com seu filho.


Em Estranho Caminho, Guto Parente retoma os tempos pandêmicos com os sentimentos de aprisionamento e distância causados pelo vírus: pai e filho ocupam um apartamento em Fortaleza onde se isolam durante o lockdown. Com a passagem dos eventos, um clima de suspense vai permeando a história; a fotografia de Linga Acácio não poupa os close-ups no rosto de Lucas Limeira, que vive o personagem de David, com seus olhos brilhando, tão próximos de sua pele que é possível visualizar sua textura. O longa é um belíssimo balanço, fluindo entre a comédia e o terror com muita facilidade, dando-o um destaque entre a filmografia do cineasta, que tem filmes como Inferninho (2018), um belíssimo melodrama, e O Clube dos Canibais (2018), um terror gore – que, apesar de bem pensado, não é tão bem executado – no currículo.


Foto: Tardo Filmes/ Embaúba Filmes
Carlos Francisco em Estranho Caminho (Foto: Tardo Filmes/ Embaúba Filmes)

A seleção dos atores também é excelente: o papel de Geraldo cai para Carlos Francisco como uma luva, com um timing cômico impecável e mais uma vez brilhando tal qual fizeram a previamente em Marte Um (2022, dir. Gabriel Martins), interpretando Wellington, um pai de família. É perceptível o carinho que Parente desenvolve pelos seus personagens; seu olhar cauteloso para a complexidade das relações humanas, em especial as familiares, vai sempre buscando a alegria que se esconde em meio aos conflitos. Há um toque pessoal charmoso em todo o seu desenvolvimento, que se mostra presente no final, ao dedicar o filme ao seu pai, também chamado Geraldo. Mas, mesmo que próprio, o sentimento atravessa pela universalidade da emoção: a agonia trazida pela pandemia e a proximidade na distância versus o distanciamento na aproximação de um ente querido – quase como navegar em um mar de rosas, mas ter de remar entre os espinhos.


Acima de tudo, o grande trunfo de Estranho Caminho é o fato de sua complexidade habitar no simples; é o tipo de filme que aumenta aos poucos porque, no instante em que a tela fica preta e sobem os créditos, a absorção dos acontecimentos vai ganhando destaque. Nenhum retorno é fácil. A figura do pai Geraldo, quase gélida e fantasmagórica, é mais realista do que se parece, e pelos olhos de David vemos como sempre teremos as mesmas duas opções: bater de frente com o passado ou viver para sempre fugindo dele.

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