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Foto do escritorRoger Portela

“Meu Amigo Totoro” e a singela inocência infantil

Reprodução: Studio Ghibli

Em determinada cena de Meu Amigo Totoro (1988, dir. Hayao Miyazaki), lá para sua metade, as duas protagonistas, Satsuki e Mei, crianças, vão tarde da noite, na chuva, para o ponto de ônibus esperar o pai voltar da cidade. Ele atrasa, e elas ficam sozinhas. A escuridão do bosque atrás delas, a única luz amarela do poste iluminando-as, as gotas de chuva que caem esporadicamente. E, então, um movimento na mata. Satsuki, a mais velha, carrega Mei nas costas, que dorme. Ela observa, tentando saber o que se aproxima das duas. Em outro filme, mesmo infantil, seria essa uma cena de tensão e medo. Mas em Totoro não há nada disso. Há apenas a curiosidade infantil sobre o que se esconde no escuro. Uma inocência que parte de suas protagonistas, em tão tenra idade, e alcança a forma e  a progressão da trama. Como o risco não se mostra pela visão de suas protagonistas, logo não existe. Quem aparece é a criatura imensa e peluda, que é engraçada e fofa. Sua presença não gera temor. Gera empolgação e diversão.


Essa cena é apenas um exemplo da lógica a partir da qual Meu Amigo Totoro opera: mesmo com momentos que demandam conflitos —  a chegada em uma casa nova e a descoberta que ela é assombrada, por exemplo —, ele opta por seguir um caminho mais inocente, onde o risco é zero e toda a fantasia e o sobrenatural são tratados unicamente como uma aventura segura, e nunca como assombro. É uma lógica, aliás, que corre no caminho contrário à grande maioria dos filmes infantis — ocidentais ou orientais — que buscam no conflito o empurrão para a aventura. Em Totoro, a aventura está lá, mas ela parte da curiosidade de Satsuki e Mei, e nunca de algum problema externo. É como se Miyazaki, diretor do filme, quisesse mostrar que não há qualquer problema em crianças serem curiosas e desejarem explorar a vastidão que as cerca. Como se elas tivessem o dever de sujar os pés e os joelhos e explorar o mundo sozinhas, em sua visão mais ingênua, sem a trava de adultos.


Em outra cena, Mei, que tem apenas quatro anos, vê o rastro de youkais – seres místicos do folclore japonês –  pegando sementes perto de casa enquanto brinca. Ela os persegue até chegar embaixo da sua casa, e se arrasta até eles, que escapam cada vez mais para longe. Seu pai, que trabalha tão focado na casa, não vê a filha se afastando. A partir daí, Mei é desenhada com os joelhos e os pés sujos, de criança que está apenas brincando. Mesmo se afastando e se perdendo no bosque, há apenas a brincadeira, não encontrando risco nenhum. Nem quando o fato de a perderem, nessa cena, gera um problema maior. É como se o mundo dela fosse blindado de qualquer perigo.


Não é como se não houvesse qualquer conflito na trama: a mãe das meninas está hospitalizada e, no fim, um telegrama faz elas pensarem que a mãe pode morrer. Um drama se inicia, mas a estrutura leve e descompromissada nunca é abandonada. Não há qualquer intenção de se criar um enredo carregado para puxar lágrimas, já que o filme opta por trazer o sorriso e o respirar de alívio com a presença mágica de Totoro, que não resolve os problemas levantados, mas ajuda a guiar as protagonistas.


No fim, ao optar por posicionar o ponto de vista em Satsuki e Mei, essa aventura é absorvida com a delícia das descobertas infantis. Torna-se muito menos uma aventura despretensiosa de filmes de animação infantis e muito mais um “slice of life” singelo, uma obra sobre as percepções juvenis da própria infância enquanto ela é vivida, seus próprios assombros, curiosidades e picardias.


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