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Foto do escritorMatheus Rocha

"Longlegs": Quando o mistério é melhor que a solução


Em uma das primeiras sequências do novo filme de Oz Perkins, Longlegs — Vínculo Mortal (2024), acompanhamos a detetive Lee Harker numa até-então-corriqueira patrulha num subúrbio, em busca do assassino em série do momento, procurado pelo FBI. Harker, interpretada pela ótima Maika Monroe, a todo momento parece perturbada por algo que não conseguimos ver e tem o pressentimento de que uma das casas da redondeza é o abrigo do criminoso que tanto procuram. A detetive compartilha seu sentimento com o colega de patrulha, afirmando ter certeza que o homicida está na casa frente a eles. O policial, duvidando de sua intuição, age com ceticismo e encontra um final trágico logo em seguida. A partir desse momento, Harker é forçada a reprimir todos os seus sentimentos para conseguir finalizar a missão. Seus medos, ansiedades e o pânico que cresce com sua respiração a colocam num estado hiper-alerta, seu instinto de sobrevivência falando mais alto.


Está apresentada nossa protagonista: não só uma investigadora comum, mas alguém com poderes psíquicos capazes de guiá-la no mundo real, mesmo que a afastem de uma vida social convencional. Ela é focada e destemida, encontrando a solução para uma agravada situação no seu próprio equilíbrio emocional. Após essa tão bem construída sequência, não só compreendemos como ela funciona e suas particularidades, como também passamos a ter um crescente interesse em relação a seu passado e suas complexidades. Como resultado, nos importamos e nos preocupamos com Lee Harker  a receita perfeita para a personagem motriz de um thriller.


As qualidades do filme não acabam na sua personagem principal: estruturalmente, ele puxa as melhores memórias dos terrores de Stephen King, gerando curiosidade e, ao mesmo tempo, medo pelo desenrolar da história. A própria premissa, misturando realidade e um sobrenatural discreto, mas gradual, parece ter saltado das páginas do escritor estadunidense. No centro de Longlegs, está a investigação de um outro assassino em série, interpretado por Nicolas Cage, com o título do filme sendo o nome com o qual assina cartas codificadas após os homicídios. Além das cartas, o FBI encontra casas maculadas apenas pelos corpos frios e abandonados de famílias inteiras, sem sinais de invasão, luta ou qualquer indício do envolvimento de terceiros.


É principalmente na investigação e na trama policial que o longa brilha: as pistas e descobertas dançam em paralelo à brincadeira de gato e rato entre Lee e Longlegs, tornando digna a comparação com Silêncio dos Inocentes (1991, dir. Jonathan Demme) que tem sido tão circulada na promoção e nas críticas do filme. O estado quase hipnótico que a busca de Clarice pelo maníaco Buffalo Bill inflige em quem assiste o filme de 1991 está presente também no lançamento de Perkins, sendo muito difícil desviar a atenção do que acontece na tela. Em certo ponto da história, o único pensamento que me cruzava era o de não saber a última vez em que tinha sentido um medo tão genuíno em uma sala de cinema.

Oz Perkins mostra em Longlegs um controle visual ainda mais evidente do que em seu filme anterior, Maria e João: O Conto das Bruxas (2020). Numa entrevista recente, o diretor confessou que parte do sucesso em ter uma direção de arte tão forte é confiar nas pessoas com quem ele trabalha  o crédito passa a ser direcionado a uma coletividade de artistas envolvidos e não ao indivíduo realizador. É claro que todo filme é um trabalho coletivo e que é difícil uma mesma pessoa dominar todas as áreas de produção cinematográfica, mas, ao assumir a liberdade criativa presente nos seus sets de filmagem, Perkins traz à tona o que faz dos seus últimos dois longas obras tão visualmente satisfatórias.


No que o filme de 2020, uma adaptação do clássico conto infantil de João e Maria, consegue construir interesse com pinceladas de cor numa paleta extremamente reduzida, Longlegs parece ter ainda menos medo de usar cores vibrantes e destacadas para exaltar as cores frias da realidade enfrentada por Harker. Existe uma sobriedade perfeitamente controlada nas locações intimidadoras, gélidas e azuis, contrastada pelo calor aconchegante dos laranjas e amarelos presentes onde a protagonista se sente segura. Essa contraposição de cores acaba sendo essencial para a própria dinâmica de Lee e de Longlegs  enquanto o assassino se veste todo de branco, com um rosto desfigurado por intervenções cirúrgicas e pálido como a neve, a detetive começa a desvendar o caso numa sala completamente revestida do vermelho mais intenso, num reflexo do interior da própria mulher e de sua personalidade.


Para um filme com tantos pontos de interesse e provocações, o fim da investigação veio acompanhado de uma série de soluções decepcionantes. Existe um conceito já muito estabelecido em Hollywood, e praticamente patenteado pelo diretor e produtor J. J. Abrams, que coloca como base de uma narrativa intrigante a chamada “Mystery Box”. Imagine uma caixa, trancada, e pressuponha que ela guarda algo de grande valor. É, entretanto, impossível saber exatamente o quê. Diante do mistério, nossa mente começa a projetar possibilidades sobre o que pode estar ali dentro (ou até mesmo quem!), cada nova alternativa sendo mais ousada que a anterior. Os filmes, portanto, seriam como essa caixa misteriosa: sempre levantando perguntas que fazem com que a audiência se aprofunde cada vez mais na própria curiosidade e com respostas que, por vezes, levam a outras caixas misteriosas. É uma ferramenta que, quando bem empregada, já demonstrou ser capaz de gerar grandes sucessos, a exemplo das séries Arquivo X (1993-2002), Lost (2004-2010), Dark (2017-2020) e do filme Se7en (1995, dir. David Fincher), dentre tantos outros. A Mystery Box tem, portanto, um grande potencial de acerto, mas tem igualmente um potencial para o erro, com a frustração por uma resposta fraca sendo sua consequência direta.

O caminho de Longlegs até a metade de sua duração é maravilhoso, com uma boa construção de personagens, tensão e terror equilibrados na medida correta e um assassino genuinamente inquietante. Diversas perguntas são levantadas: quem é o criminoso, qual sua ligação com a protagonista e qual o passado de Lee são algumas das mais simples. É uma caixa misteriosa bem decorada e deslumbrante, porém, quando aberta, as respostas não chegam a ser tão satisfatórias.


A menção a Stephen King não foi feita à toa: sempre houve a tendência em um nicho do terror e do suspense de replicar elementos conhecidos de sua bibliografia. Um exemplo recente é o suspense O Telefone Preto (2021), dirigido por Scott Derrickson e originalmente escrito pelo filho do próprio King, Joe Hill. Quando postos lado a lado, é possível notar que Telefone Preto e Longlegs compartilham diversos componentes similares: pessoas com poderes psíquicos à frente de investigações, macabros assassinatos em série e crianças sendo os alvos dos crimes, e as comparações não param por aí. Apesar disso, se o filme de Derrickson se afasta da fama de Stephen King de “perder a mão” nos finais (o autor é conhecido por soluções e conclusões “simples demais” ou destoantes do resto da obra), não podemos dizer o mesmo do longa de Perkins.  Na metade restante de sua duração, Longlegs frustra com clichês de gênero batidos e cansativos  até mesmo uma freira satânica passa a ser figura importante na história.


É difícil construir uma atmosfera e ritmo tão acertados como os que Oz Perkins estabelece em Longlegs, mas parece que o mesmo nível de atenção não foi dado às respostas que a caixa misteriosa estaria escondendo da audiência. Há um vazio de complexidade tão grande que, retroativamente, aquilo que fazia do filme interessante passa a se tornar apenas apelativo. Os elementos sobrenaturais se tornam baratos, mal escritos, e até mesmo o grande antagonista do filme, Longlegs, perde importância e imponência. O filme se torna, de uma maneira que entristece quem tanto se investiu na história, uma caricatura de si mesmo.


Ao sair da sala de cinema, o sentimento que restou foi o do gosto amargo. É um filme que prende a concentração da audiência nos primeiros minutos e que proporciona uma experiência autêntica de medo e suspense.  Em suas tantas qualidades, a fotografia, direção de arte e performances, fazem com que Longlegs certamente seja interessante. Porém, em sua conclusão, não parece ter força narrativa suficiente para se diferenciar dos outros tantos lançamentos de terror que ocupam anualmente as salas de cinema. Interessante, no final, é mais uma forma gentil de categorizar um filme que não consegue escapar da sua própria superficialidade.

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3 Comments


Realmente, concordo! Os visuais são ótimos e a ideia central, ao qual remete bastante Silêncio dos Inocentes, nos prende. É quase como uma fórmula genérica do sucesso que no último ato, se perde. Ótima crítica.

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Concordo com tudo

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Por 0,5 segundo eu achei que Maria e João era aquele filme pavoroso com o Jeremy Renner

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