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Foto do escritorWandryu Figuerêdo

"Jardim dos Desejos": Vestígios Visíveis



Não existe possibilidade de iniciar essa crítica – ou uma tentativa dela – sem passar pelo trabalho recente de Paul Schrader em First Reformed (2017) e The Card Counter (2021), obras que dialogam com sua condução artística em Jardim dos Desejos (Master Gardener, 2022), que, dois anos após sua estreia internacional, chega ao Brasil. Os três longas, que também podem ser nomeados informalmente como uma trilogia, exploram cenários e espaços recorrentes do cinema moderno tradicional: uma igreja, uma casa de apostas e um jardim. Para intensificar o impacto visual, mesmo em meio à saturação imagética contemporânea, Paul Schrader dialoga com seus ambientes para comunicar-se intimamente com sua câmera e impulsionar cada nova micro ação em um método minimalista, mas também enternecente. Essa abordagem capta os personagens e transforma seus gestos minuciosos em detalhes significativos, revelando corpos que já não conseguem expressar sentimentos por meio de movimentos articulados. Os cenários e os rostos vistos na tela são mais do que simples componentes da narrativa; são indivíduos observados e julgados por um elemento invisível, além da mera presença comportamental da câmera. 


A nova história de Paul Schrader gira em torno de Narvel Roth (Joel Edgerton), um dos melhores jardineiros da região dos Estados Unidos, responsável por cuidar de toda a propriedade da viúva, Haverhill (Sigourney Weaver). Seu trabalho – e alguns serviços extras – é altamente valorizado por Haverhill, dona da residência. Contudo, com a chegada de Maya (Quintessa Swindell), bisneta de Haverhill, o equilíbrio do jardim de Roth, que aparentava ser perfeito, começa a ruir, começando pelas pequenas raízes das flores. 


Brevemente, o altar empíreo, que é o grande jardim que cerca a residência, é sempre visto como uma pintura ou retrato da força da própria natureza. Os humanos que transitam por essa pintura são seus cuidadores, mas também podem ser chamados de restauradores. A presença de Haverhill é significativa para manter essa ordem, refletindo mais uma característica de seu ego do que uma preocupação genuína com suas rosas. Com a chegada de Maya, a aparência sublime começa a transformar-se em uma zona mais urbana, em um espaço mais realista, em uma descrição afastada da clássica nomenclatura do belo. Essas alterações não são percebidas porque as flores começam a morrer, como em uma ilustração de um cinema clássico, mas porque os rostos, antes registrados de maneira aparentemente imparcial, mudam para expressões mais relevantes. Além disso, mesmo quando os gestos são minuciosos, a câmera permanece imóvel, para destacar a importância daquela pulsação humana. 



Em sua trilogia, ou em recentes obras similares que se articulam por meio de sua condução intimista, Paul Schrader parece caminhar pelos seus ambientes com domínio, reproduzindo novas articulações imagéticas para investigar o material palpável que existe sob sua câmera. Enquanto outros diretores abusam de efeitos especiais ou simbolismos para enfatizar ambientes costumeiros, Schrader utiliza o tempo e o manuseio da iluminação, assim como seus influenciadores Yasujirō Ozu e Kenji Mizoguchi, para transformar cada frame em um retrato, em um altar empíreo, possível apenas através de seu recorte. Na cena do hotel, onde Narvel e Maya começam a tirar a roupa, de frente um para o outro, exibindo marcas históricas que ainda permanecem fisicamente, a câmera se comporta como mais uma parte do quarto, como um relógio, atravessando aquelas imagens com um sentimento vívido de sensibilidade na criação. Se, no primeiro momento, Maya se assusta com as feridas e doenças que aquele homem carrega , logo ela, com sua pele negra e vivência distante de paraísos, presencia um instante de empatia e se conecta com ele mediante um beijo e um abraço de amparo. 


A obra transita por vários gêneros, mas continua sendo uma história de amor proibido no paraíso. Entre as trocas de situações que emergem dos conflitos da vida de Maya com seu ex-namorado traficante e o passado de Haverhill, eles vão criando uma relação saudável de amor, mesmo que não seja divina. No encerramento, quando o jardim intocável é destruído pelos amigos do ex-namorado de Maya, Haverhill volta ao seu passado – não apenas ao jardim, mas também seu corpo conduz uma arma entre seus dedos e um desejo por reparação. Por mudança de perspectiva ou não, ele prefere não matar ninguém, apenas ter uma casa ao lado do jardim, com sua mulher e uma dança ao pôr do sol. A câmera, distante, registra todos os gestos finais, a dança que inicia por um toque na cintura e a movimentação de dias mais calmos. 

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