“Vá fazer um vídeo. Vá escrever algum artigo”, debocha um colono israelense para o cinegrafista, durante mais uma demolição de casas palestinas momentos antes de um disparo à queima-roupa contra Harun Abu Aran, que termina tetraplégico. Este não é o início de No Other Land (2024), documentário palestino-norueguês exibido no XV Janela Internacional de Cinema do Recife, mas retrata parte dos horrores corriqueiros da Cisjordânia ocupada e traduz o desafio de documentar um conflito unilateral e violento.
Com produção iniciada ainda em 2019 pelo advogado e ativista palestino, Basel Adra, No Other Land é um retrato brutal da ocupação de Israel na região de Massafer Yatta, aglomerado de pequenas cidades e vilarejos palestinos ao sul da Cisjordânia. O documentário nos mostra, literalmente — com imagens produzidas pelo próprio Basel e pelo jornalista israelense Yuval Abraham, as demolições em massa de vilarejos que ocorrem corriqueiramente, após decreto que transformou boa parte da região em território de treinamento militar ainda em 1981.
O documentário se desenvolve a partir da ótica dos dois ativistas, e mostra recortes temporais que se estendem até outubro de 2023, dias antes da intensificação da ofensiva israelense na Faixa de Gaza. Esse contraste entre os realizadores, nascidos em países de lados opostos na guerra, permite uma impressão única de um conflito heterogêneo: com a diferença óbvia entre Yuval e colonos israelenses favoráveis à ocupação, por exemplo.
Além das imagens de ações militares, No Other Land também documenta a vida das comunidades que ali resistem, trazendo o enfoque ao núcleo de Basel, com imagens ainda mais antigas de seu pai, também ativista, em tempos mais felizes, além de diversos diálogos entre os dois principais realizadores em ambientes familiares. As diferenças culturais não distanciam o afeto pela causa ou entre os dois, mas causa incômodo de outros palestinos, além do convívio com os próprios soldados, apresentando ainda mais uma face da invasão.
Levando em consideração as condições de produção, as imagens se tornam impressionantes pela crueza e pelo sofrimento, muitas vezes captado em celulares. Vemos crianças chorando enquanto escolas são demolidas, móveis e roupas sendo despejados e, ao longo de anos, variadas construções sendo demolidas por tratores e bens sendo apreendidos, como um gerador, que foi a causa do tiro em Harun Abu Aran, paralisado e morto em dois anos após o incidente.
No Other Land tem uma autoridade indiscutível sobre o tema e tem conquistado prêmios por onde passa. Apesar do impressionante trabalho conjunto entre os quatro diretores ( Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor e Hamdan Ballal) e demais equipe de produção, o documentário dispensa críticas ao desnudar o óbvio para os desatentos e explicitar uma opressão histórica contínua, que culmina na mais sangrenta investida de Israel contra a Palestina, mas, principalmente, contra seu povo.
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