À Queima-Roupa: Luta e Resistência em “No Other Land”
- Leo Wanderley
- 7 de nov. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 24 de fev.

“Vá fazer um vídeo. Vá escrever algum artigo”, debocha um colono israelense para o cinegrafista, durante mais uma demolição de casas palestinas momentos antes de um disparo à queima-roupa contra Harun Abu Aran, que termina paraplégico. Este não é o início de No Other Land (2024), documentário palestino-norueguês exibido no XV Janela Internacional de Cinema do Recife e concorrente ao Oscar da categoria, mas retrata parte dos horrores corriqueiros da Cisjordânia ocupada por Israel e traduz o desafio de documentar um conflito unilateral e violento.
Depois de muito pensar em como iniciar o presente texto, sinto que há necessidade de estabelecer: No Other Land documenta parte — e apenas parte — do terror vivido por um povo oprimido corriqueiramente, por décadas sem fim. De um ponto de vista único, isto é, da ótica conjunta entre o oprimido e opressor, somos submersos em uma narrativa tão surreal para o desavisado que questionar se de fato, ali estão pessoas ou personagens (neste caso, vilões), é senso comum.
Com produção iniciada ainda em 2019 pelo advogado e ativista palestino, Basel Adra, No Other Land é um retrato brutal da ocupação de Israel na região de Massafer Yatta, aglomerado de pequenas cidades e vilarejos palestinos ao sul da Cisjordânia. Note, que estamos muito antes da intensificação da ofensiva israelense em Gaza, e há pelo menos 40 quilômetros ao sul, sem ligação direta por terra. Dito isto, o documentário nos mostra, literalmente, demolições em massa de vilarejos inteiros que ocorrem corriqueiramente desde 1981.

O documentário se desenvolve a partir da ótica dos dois ativistas e nos mostra recortes temporais que se estendem até outubro de 2023, dias antes do início do início do conflito que vimos, atualmente em cessar fogo. Este contraste entre os realizadores, nascidos em países de lados opostos na guerra, permite uma impressão única de um conflito heterogêneo: Com a diferença óbvia entre Yuval e colonos israelenses favoráveis à ocupação, por exemplo.
Além das imagens de ações militares, o longa documenta a vida das comunidades que ali resistem e residem, após as ações militares, majoritariamente em cavernas. Aqui, mas desde o princípio da narrativa, este abismo terrivelmente verdadeiro choca. Ao mesmo tempo, não há surpresa, sequer retaliação, dos palestinos ao norte de Israel. Esta inércia é, indubitavelmente, avassaladora para o telespectador e absolutamente necessária para a sobrevivência em um estado ocupado. O grito e represália para tanto sofrer culmina em No Other Land.
Diferenças culturais estão no cerne da história e não distanciam o afeto pela causa ou entre os dois protagonistas e narradores ativos dos acontecimentos. As mesmas diferenças, são mote para os violentos soldados e colonos, além de responsáveis por boa parte deste estranhamento do telespectador comum, mesmo que de uma ótica empática e relativamente consciente para os horrores ali vividos.
No Other Land tem uma autoridade indiscutível ao desvelar a ocupação israelense, enquanto todos os olhos do mundo estão voltados para o sofrimento do povo palestino. O impressionante trabalho conjunto entre os 4 diretores ( Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor e Hamdan Ballal) e demais equipe de produção, o documentário apresenta o óbvio para aquele povo, mas abismal para transeuntes das dinâmicas do oriente médio.
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