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Foto do escritorWandryu Figuerêdo

Janela de Cinema 2024 | Perda e Memória: A jornada das imagens na Sessão Competitiva #4.



Pôsteres dos curtas exibidos na Sessão Competitiva #4

Na quarta mostra competitiva de curtas do XV Janela de Cinema, quatro obras exploram de maneira envolvente a temática da memória. Se em 2023 o sucesso de Retratos Fantasmas impressionou ao dialogar com o passado para reinterpretar o presente da cidade de Recife, este ano a abordagem se transforma, com um toque marcante da ficção. Agora, os eventos que definimos como passado impulsionam o presente, sugerindo mudanças que projetam o futuro — ou talvez a escrita de novos capítulos para histórias que antes pareciam encerradas.


Os quatro curtas — Cavaram uma Cova no meu Coração (Dir. Ulisses Arthur, 2024), Fantasma Memória (Dir. Nicolas Thomé Zetune, 2023), Ataques Psicotrônicos (Dir. Calebe Lopes, 2024) e Ramal (Dir. Higor Gomes, 2023) — possuem uma temporalidade única. Além de se alimentarem de imagens documentais e de acontecimentos que ultrapassam os limites da ficção, eles criam uma nova descrição imagética para rostos comuns, focando, em essência, na presença de homens em tela. Esse híbrido de real e imaginário constroi enredos que re-imaginam e dão nova vida ao ordinário. 


Em Cavaram Uma Cova no meu Coração, a experimentação com a reprodução de novas imagens se destaca, já que o filme está profundamente enraizado nos eventos de uma cidade real. A obra captura um território onde a vida cotidiana foi brutalmente alterada pelo projeto da Braskem, que, em busca de lucro, desmantelou toda uma estrutura social e geográfica. Nesse cenário de destruição, os personagens parecem viver no epicentro da perda, onde sua mera existência se torna um ato de resistência. Ainda assim, há uma sensação inevitável de melancolia: eles são retratados como corpos que carregam o peso de uma luta incessante, quase sem esperança, enquanto suas necessidades e sonhos permanecem aprisionados pela devastação que os cerca, por mais que exista positividade nas imagens, essencialmente quando os sorrisos e possibilidades dos personagens surgem na tela. 


"Cavaram Uma Cova no Meu Coração", de Ulisses Arthur, foi vencedor dos prêmios Canal Brasil e Janela Crítica na competição

Se, no curta de Ulisses Arthur, a coloração evolui de um preto e branco austero para tons vibrantes, acompanhando a personagem enquanto ela expressa sua insatisfação  diante da câmera, Fantasma Memória e Ataques Psicotrônicos optam por um mergulho mais profundo na desesperança. Nesses filmes, as memórias parecem aprisionar o presente em uma angústia inescapável, onde a existência é guiada por fragmentos de lembranças que ainda persistem. No coração dessas recordações, rostos masculinos emergem, capturados tanto em planos abertos quanto em close-ups íntimos, reforçando o desconforto e o mal-estar que permeiam essas narrativas.Além disso, o uso de silêncio e vozes abafadas em Fantasma Memória e Ataques Psicotrônicos se manifesta como um ruído constante, dificultando uma digestão plena das emoções e intensificando a sensação de desprazer. 


Contudo, esses curtas não se tornam sufocantes a ponto de cair no pessimismo absoluto ou de centrar suas narrativas apenas na dor de seus personagens. Em vez disso, eles estabelecem um diálogo mais hostil, provocando uma experiência visceral que envolve o espectador de maneira ativa. Assistir a essas obras é sentir o peso da curadoria, que não apenas nos adoece simbolicamente, mas também nos convida a participar desse processo, despertando angústias que ressoam em nós mesmos.


Para finalizar, Ramal se destaca como um dos curtas mais importantes do Cinema Brasileiro contemporâneo. É fascinante observar os desafios de encaixar Ramal em sessões curatoriais, pois, à primeira vista, a obra pode parecer um simples estudo sobre masculinidade. No entanto, há muito mais em jogo. Quando testemunhamos um homem conversando intimamente com sua moto ou pássaros que se transformam em estátuas suspensas no céu, a narrativa se desdobra em uma análise provocativa e profundamente subjetiva. O curta nos convida a uma experiência que transcende a tela: não apenas vemos reflexos de nós mesmos, mas também encontramos fragmentos da nossa formação, outras versões do que fomos e as memórias que nos moldaram até o presente.


"Ramal", do diretor Higor Gomes, foi o eleito pelo júri como Melhor Filme

No fundo, Ramal fala sobre autodescoberta, revelando homens que, apesar de um cotidiano sufocante e dos dramas pessoais, encontram momentos de felicidade e liberdade nas manobras de moto. O filme explora o poder das pequenas alegrias e a adrenalina de se sentir vivo em meio ao perigo, lembrando-nos da força de seguir em frente mesmo diante das adversidades. São esses instantes de conexão com o mundo e com o próprio ser que sustentam a narrativa.


Ao longo da sessão, todos os curtas apresentam uma intensidade visual marcante, aprofundando-nos a curiosidade em personagens que não falam ou em cenários que apenas vislumbramos, e somos levados por esse processo curatorial imersivo. É interessante notar como a sessão começa em meio às ruínas, mas uma das últimas imagens que vemos é o poderoso pôr do sol em Ramal, um céu esperançoso enquanto homens gritam para um pássaro. Sempre há esperança, seja na ficção ou nas imagens exibidas no XV Janela de Cinema.


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