top of page
Foto do escritorLeo Wanderley

Janela de Cinema 2024 | O poder do afeto em "Kasa Branca": uma conversa com Luciano Vidigal


Foto: Divulgação


Os olhares emocionados no Cinema São Luiz após a sessão de Kasa Branca (2024), não mentem. Exibido durante o XV Janela Internacional de Cinema do Recife, com a presença de uma plateia ávida no debate promovido na sequência, o  filme marca a estreia de Luciano Vidigal como diretor e roteirista solo em um longa-metragem e atravessa as limitações da ficção em um relato delicado e verdadeiro, suficiente para sacramentar o cineasta como um contador de histórias que tocam, com um olhar gentil para temáticas duras e, sobretudo, reais.


O longa conta a história de Dé (Big Jaum), morador da comunidade da Chatuba e determinado a cuidar de sua avó (Teca Pereira), que sofre com Alzheimer em estado avançado. Desprovido de suporte familiar - representado por seu pai ausente (Babu Santana)- e vítima dos abusos cotidianos, ele vive o desafio de cuidar de sua única referência familiar com a ajuda de seus dois melhores amigos: Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco).


Falar sobre a vida nas favelas brasileiras não é inédito no cinema nacional, e, por isso, Kasa Branca se destaca. Apesar da dura e inevitável realidade, o longa segue a máxima “sem armas, sem drogas e sem crime”, e se une a uma fotografia colorida e contemplativa das ruas dos morros cariocas para uma roupagem diferente do explorado majoritariamente quando o assunto é periferia. No longa de Vidigal, a crueza dos personagens e sinceridade na atuação colorem esta realidade tão dura com bom humor e segurança, mas sem glamourizar ou utilizar de artificialismos e caricaturas.


Talvez por isso, durante a sessão, lágrimas e risos foram constantes, em uma cadência quase uniforme. Temas além do cuidado do neto com a avó aparecem com naturalidade. A identificação de quem assiste, possivelmente, ocorre diretamente com os personagens em tela, em um processo que segue a máxima “o ator deve ser co-autor do personagem”, defendido pelo diretor. Paralelamente à trama principal, as personagens lidam com dramas comuns a muitos, que despertam empatia mesmo quando não há relação direta.



Foto: Divulgação


Em conversa com a Revista Nostalgia,  o  diretor compartilhou sobre suas relações de afeto com a produção e com Pernambuco, especialmente, durante a exibição de Kasa Branca no Janela: “Tenho 44 anos de favela. Sou cria da favela do Vidigal. Então, depois que eu virei artista, eu fiquei com a minha sensibilidade muito aguçada em receber histórias dos outros, ficar ligado no meu quintal, histórias dos meus vizinhos. Então, esse filme tem muitas histórias reais”, comentou Luciano, que ainda completa: “é provar que a gente é potente, que a gente é humano e que a gente tem muito que contribuir para o Brasil, culturalmente e com as nossas histórias”.


Tanto na visão de Vidigal como deste crítico, os temas do filme passam, principalmente, por cuidados e ausências. “Um amigo meu que falou que (o filme) é um sistema de cura. Então eu falo isso com meu coração aberto, o afeto é revolucionário, o afeto cura”. Nesse sentido, o carinho foi retribuído pelo público do São Luís, e não passou despercebido. No célebre espaço de exibição no Recife, ocorreu “a primeira vez que o filme foi aplaudido de pé, isso marcou, então eu vou levar isso pra minha cidade, pra minha casa” destacou o cineasta, após os vários aplausos que se estenderam por minutos. “A recepção aqui no Janela foi maravilhosa, agradecer muito ao povo pernambucano, agradecer Recife por me dar essa oportunidade de receber um aplauso de pé, eu tô celebrando esse momento”.


A história de Luciano com o Nordeste, na verdade, vem de seus pais, que são nordestinos, mas também do cinema e de seus estudos da sétima arte.  “Eu sou fã do cinema pernambucano, que tem uma coisa de ir contra o padrão, de ter muita originalidade e personalidade. Estudando cinema, eu me identifico nesse lugar. Estar aqui, para mim, é um fortalecimento de ideologia”.


Kasa Branca é um daqueles filmes que marcam pela arte presente, viva pela identidade e pela honestidade de toda produção. Com trilha sonora e fotografia primorosas, o longa orna bem com um São Luiz reinaugurado e efervescente junto a um público saudoso e sempre disposto a cinema de qualidade. Neste Janela de Cinema, certamente, ficará marcado para quem assistiu e participou do debate, mas, sobretudo, nos registros que mostrarão uma exibição singular de um filme que marca seu caminho no cinema brasileiro.



Comments


bottom of page