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Foto do escritorWandryu Figuerêdo

Janela de Cinema 2024 | "Eros": Corpos e Fragmentos

Foto: Divulgação/ Desvia


Ao invés de mergulhar a narrativa diretamente em um dos quartos de motel, Eros (2024) inicia com a câmera a bordo de um carro que navega pelas ruas vibrantes e caóticas de Recife. O cenário urbano é capturado com uma intensidade que reflete o ritmo da cidade: luzes piscantes, buzinas abafadas, e a constante sensação de tensão. No entanto, essa agitação vem acompanhada de uma promessa quase tangível de algo prazeroso ou recompensador, como se o destino pudesse oferecer um alívio íntimo e sensual.


Ao entrar no espaço do motel, a diferença é marcante. A cacofonia urbana é substituída por um silêncio meticuloso, quebrado apenas por música ambiente ou gemidos que atravessam as paredes finas. A diretora Rachel Daisy Ellis, com sua câmera na mão, opta por uma abordagem que atenta a provocação: deitada parcialmente nua em uma cama, ela se posiciona diante de um espelho, oferecendo ao espectador uma performance crua. É um momento de vulnerabilidade, onde a exposição se torna um convite, quase sedutor, para compartilhar a experiência do filme.


A proposta de Eros é aparentemente simples, mas os esforços são mais complexos. Ellis entrega câmeras a diversos casais que, ao longo de uma diária no motel, registram suas próprias vivências, sem qualquer restrição sobre o que filmar ou exibir. É como se cada personagem assumisse o papel de diretor por alguns instantes. Contudo, a montagem feita por Matheus Farias e a curadoria visual de Ellis transformam essas imagens em um diálogo fluido, equilibrando cenas explícitas com momentos de reflexão. Eros se torna, assim, um mosaico que vai além da mera exibição do sexo, explorando camadas da banalidade. 


Conforme a narrativa avança, o filme revela aspectos íntimos e sutis da personalidade dos casais, particularmente quando os corpos se desnudam, expondo mais do que a pele, mas também camadas emocionais e psicológicas. Essas cenas, que inicialmente podem parecer projetadas para despertar prazer ou provocar uma sensação de leveza no espectador, logo mostram uma complexidade maior, especialmente ao explorar os momentos antes e depois da intimidade física. A diretora Rachel Daisy Ellis não foca nos gestos intensos ou gritantes do ato sexual, mas sim na vulnerabilidade e nas pequenas interações que o circundam.


O filme também se dedica a examinar a vulgaridade percebida, tanto na exposição dos corpos quanto na reação dos espectadores, que podem se sentir desconfortáveis diante de uma representação tão direta da sexualidade. Esse incômodo é perceptível nas risadas nervosas, nos olhares desviados e nas expressões que comunicam uma tentativa de se distanciar do que está sendo exibido, como uma forma de resistência ao erotismo inesperado na tela grande.


Foto: Divulgação/ Desvia


Um exemplo claro dessa abordagem é o primeiro casal apresentado. Ao longo de sua interação, eles compartilham conversas que tornam a experiência mais íntima e reveladora. Falam sobre a mudança de suas relações sexuais com o tempo, que passaram de algo intensamente selvagem para uma prática mais consciente, pensada e até cansativa. A transformação na maneira como eles se relacionam evidencia o amadurecimento emocional e a compreensão mais profunda do desejo. Assim, Eros transcende a ideia de prazer superficial, tecendo um retrato mais complexo daqueles corpos. 


Conforme Eros avança, os casais são gradualmente ‘’substituídos’’, apresentando novas dinâmicas em espaços que evoluem visualmente, criando uma morfologia única nas imagens. Ao invés de seguir uma estrutura linear tradicional, o filme de Rachel Daisy Ellis fragmenta sua narrativa, explorando períodos que, à primeira vista, podem parecer banais. No entanto, são justamente esses momentos que revelam detalhes sutis sobre o cotidiano e a intimidade, distantes das convenções de uma cena sexual explícita.


Na exibição do filme no Janela Internacional de Cinema, um silêncio tomou conta da plateia nos momentos finais, especialmente após a sequência envolvendo o casal de fé cristã. Foi um instante em que os espectadores pareciam ainda mais conectados aos corpos retratados, não tanto pelo desejo carnal, mas porque aqueles rostos, de alguma forma, refletiam também seus próprios rostos e histórias.


Ellis infunde a narrativa com gestos que remetem à simplicidade da vida, como o prazer de admirar formações rochosas ou de saborear uma refeição farta após um dia exaustivo. Esses detalhes, inicialmente discretos, crescem em nossa mente, evocando uma familiaridade com os personagens. Afinal, em algum momento, já fomos como eles, experimentando a vida dentro ou fora de um motel. E se qualquer quarto pode ter a fama de um motel, por que não pensar que nossa própria casa pode, eventualmente, ser um espaço de intimidade e revelação semelhante?


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