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Foto do escritorLuiza Neves

Janela de Cinema 2023 | Greta Gerwig em retrospecto: sobre "Nights and Weekends"


Quando falamos em cinema, logo vêm à mente determinados postulados e ideias gerais com as quais estamos habituados – um senso estético coeso; argumento e roteiro com começo, meio e fim; histórias identificáveis, ainda que não necessariamente lineares ou enxutas. Não obstante, a sétima arte não é limitante ou precisa, e alguns gêneros podem ousar subverter aquilo que é considerado tradicional.


O mumblecore, enquanto subgênero do cinema independente, é uma das vertentes a experimentar com a linguagem cinematográfica, tendo como base a ideia de espontaneidade, cenas não ensaiadas ou improvisadas, a preferência por diálogos a enredo e histórias focadas em jovens adultos e suas relações interpessoais. Nesse sentido, tem-se Nights and Weekends (2008), o verdadeiro filme de estreia diretorial de Greta Gerwig. Co-escrito e dirigido ao lado de Joe Swanberg, além de estrelado pelos dois realizadores, o longa acompanha um casal em diferentes estágios de sua relação, a princípio no que aparenta ser uma fase de lua de mel.


Para quem já possui certa familiaridade com a obra de Gerwig, é notável o embrião das ideias que, de certa forma, permeiam toda sua trajetória artística, sobretudo seus roteiros. A irreverência de Frances Ha (2012), a leve rispidez que encobre a insegurança em Lady Bird (2017), a queda espiralada de quem, inicialmente, dominava o jogo em Barbie (2023): tudo se amontoa – ou nasce – em Mattie, a protagonista do filme aqui posto.



Uma câmera instável e ambientes pouco preocupados com iluminação adequada são os cenários principais da narrativa do par, que se esforça para conciliar o romance com outros aspectos de suas vidas, principalmente no que concerne à carreira de cada um. É interessante pontuar como a virada de chave do filme se dá de maneira orgânica; James (personagem de Swanberg), no início, desabafa com a parceira sobre "esquecer-se de si", projetando para o mundo uma personalidade que, diz ele, exubera tal confiança não tão presente ao se enxergar refletido em um espelho.


Mattie é diferente porque, segura de si, afirma gostar de provar que não é somente um rosto bonito, mas também uma das pessoas mais inteligentes que qualquer interlocutor cruzando seu caminho chegará a conhecer. É nela que a transmutação da história mais se traduz, ao percebermos que sua autoestima não é suficiente para mantê-la estável e assegurada dentro do relacionamento com James. A partir de eventuais crises de desconfiança, é quando ocorre o pulo temporal de um ano na diegese – e um consequente afastamento dos dois – que de fato se torna nítido o caos ao seu redor, seja este representado através da casa bagunçada ou do ócio improdutivo. Logo, é ela quem precisa criar uma fachada e fingir ter tudo sob controle, de modo a conservar uma imagem antiga perante aquele ex por quem ainda abriga carinho e saudade.



O carisma de Gerwig é cativante na maioria de suas atuações, mas especialmente naquelas que a própria elabora. Seu cinema é visivelmente voltado para questões internas e uma certa escrita de si, lidando com temas de autodescoberta, envelhecimento e a subjetividade e percepção própria do existir enquanto mulher em sociedade. Nights and Weekends não se afasta muito destas ideias, mas o magnetismo da protagonista não é suficiente para fazer com que a obra renda adiante algo mais que algumas risadas. A química com Swanberg existe e traz fluidez às dinâmicas, só que parece nos faltar um pouco de apego aos dois para que perdurem os sentimentos ali abordados.


Admitidamente, o problema aqui vem do assistir em ordem inversa. Explico: a tal altura de sua experiência cinematográfica, Greta me tem como fã, notadamente trazendo à tela experiências cotidianas identificáveis e acessíveis, dotadas de nuance, falha e um compasso moral nem sempre bem alinhado. Depois do contato com obras nas quais a autora e diretora já adquiriu maturidade artística, é esperado que revisitar um filme antigo não se prove uma experiência necessariamente memorável. De qualquer forma, a consistência maior em todos os seus trabalhos me parece ser o carinho com que são feitos, sozinha ou em parcerias. O interessante não está, nesse caso, em se tratar de um longa ilustre, mas em poder perceber como identidade e voz autoral se constroem com o tempo.


Esta crítica faz parte da cobertura do XIV Janela Internacional de Cinema do Recife.

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