Fernando, vivido por Pedro Cardoso, treina sua mira apontando o revólver direto para a câmera. Marcão (Luiz Fernando Guimarães), usando uma boina como um Che Guevara carioca, está ao lado direito de Fernando, ensinando-o a atirar. Maria, personagem de Fernanda Torres, fica ao lado esquerdo, observando o treinamento. Assim é formado o plano mais famoso de O Que É Isso, Companheiro?, enquadrando atores reconhecíveis e globais, mesmo para a época, desse que talvez seja um dos grandes sucessos da retomada no Brasil.
Falo de grande sucesso porque, após anos de supressão de políticas de apoio ao cinema brasileiro no começo dos anos 90, a retomada surge primeiro com hesitação, mas depois com esperança. O Que É Isso, Companheiro? concorreu ao Oscar dois anos depois de O Quatrilho (1995, dir. Fábio Barreto), primeira indicação brasileira pós-retomada à premiação. Após um período de pequena recessão econômica, com menos investimentos no setor artístico, o longa de Bruno Barreto chegou dando novo vigor às produções brasileiras.
O Que É Isso, Companheiro? é uma adaptação do livro autobiográfico de mesmo título escrito por Fernando Gabeira, e narra a história do Movimento Revolucionário Oito de Outubro sob a ótica de Fernando. Passada a implementação do AI-5 no Brasil, o grupo decide sequestrar o embaixador dos Estados Unidos para negociar a libertação e exílio de revolucionários atualmente presos e torturados pela ditadura. A ação do filme se passa, principalmente, nos quatro dias em que mantiveram o embaixador, vivido por Alan Arkin, em cativeiro.
É importante pensar o contexto histórico de sua distribuição, ou seja, a passagem da primeira fase da retomada para a segunda, por ser um filme muito característico desse período: é uma produção americanizada. Nesse sentido, segue convenções narrativas comuns a produções estadunidenses. Bruno Barreto dirige um thriller político, com ares de Costa-Gavras, mas muito mais preocupado com o avanço veloz da narrativa para manter o suspense sempre em pauta do que fazer um cinema politizado, apesar da trama e período histórico abordados. Dessa forma, a parte política permanece rasa e, nos seus piores momentos, abraça um discurso ideológico em que compara ambos os lados, a ditadura e os revolucionários.
Ainda há cenas que acenam para uma construção mais aprofundada da situação política no país, como o encontro com o amigo de Fernando (Eduardo Moscovis) na porta do teatro, onde discutem o desenrolar do sequestro e sua relevância para o panorama nacional. Mas essas cenas acabam escapando para discursos superficiais – é aqui, inclusive, que a Teoria da Ferradura é citada, equiparando ambos os lados da luta.
No fim, a tensão política mantém-se em segundo plano, enquanto os conflitos entre os personagens entram em ebulição em forma de suor; de escolha consciente, Bruno Barreto personaliza a luta revolucionária na figura de seus personagens, todos eles muito jovens e idealistas, imberbes, enquanto opta por pessoalizar a ditadura e seus métodos de lidar com revolucionários no personagem de Marco Ricca, muito mais cínico e decepcionado com os rumos do país, um personagem que acaba soando mais “maduro” que os demais. Essa construção de questões macro do país na figura de seus atores acaba fazendo deste um filme mais “universal”, da mesma forma que o cinema estadunidense costuma construir suas próprias produções. Assim, fica muito mais factível a compreensão de ele ter feito relativo sucesso até chegar ao Oscar. Uma americanização que diminui o peso da própria ditadura no Brasil. Se os personagens, em tela, sequestram o embaixador dos EUA, os EUA sequestram o nosso estilo formal.
Decidir filmar desse jeito constrói um dilema dentro do filme e, como consequência, nas direções que o cinema nacional buscava seguir: aqui, em uma história sobre uma crise profunda do país, mas diminuída em potência política e construída de forma rasa para torná-la mais palatável a um público maior, acostumado às intromissões do cinema hollywoodiano. E, além dele, apontando um caminho ao cinema nacional: nossas histórias em um estilo mais razoável e relacionável, aproximando-o do que já era feito lá fora.
Entretanto, ao final, há uma cena entre Fernando e Maria na qual, sentados à mesa, discutem suas escolhas de vida e os desdobramentos da sua luta. Uma cena que mostra a decepção da jornada revolucionária, muito mais potente que qualquer coisa mostrada antes. Infelizmente, chega tarde demais.
“O que é isso, companheiro?” está disponível na MUBI.
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