O plano mostra um banheiro adornado com azulejos verdes. Ao fundo, uma cortina opaca esconde o corpo de alguém que, lentamente, revela sua mão empurrando o tecido para a esquerda, como se quisesse desvelar sua identidade. Quando finalmente aparece, uma jovem mulher nua surge diante da câmera, caminhando em direção ao protagonista, que, a essa altura, já demonstra sinais de completa dissociação da realidade. Ao abraçá-lo, seu corpo jovem se transforma em outro, enrugado e marcado pela velhice. Essa sequência, presente em O Iluminado (1980, dir. Stanley Kubrick), encontra ressonância em A Substância, de Coralie Fargeat. Enquanto no clássico de Kubrick a dicotomia entre juventude e velhice serve como uma manobra para intensificar o horror e o suspense, no filme da cineasta francesa essa dualidade se transforma em uma crítica óbvia — e, ainda assim, envolvente — ao culto da juventude e à própria gênese da imagem feminina no cinema.
Fargeat não busca realizar malabarismos cênicos ou elucubrações filosóficas sobre essa questão amplamente debatida na contemporaneidade. Seu objetivo, que fica claro desde o início, é trabalhar com o que há de mais direto, tanto no conteúdo quanto na forma. Suas imagens, digitalmente perfeitas, retratam uma celebridade e seu ocaso, evidenciando a passagem da juventude para os 50 anos — uma fase que, como menciona um dos personagens, representa o "fim da linha" para as mulheres na indústria hollywoodiana. Assim, o que acompanharemos nas próximas duas horas é uma fábula de horror sobre a atriz Elisabeth Sparkle (Demi Moore), que, diante do iminente fim de sua carreira, decide usar a substância que dá título ao filme. Essa substância promete revelar sua melhor versão: a jovem Sue (Margaret Qualley).
O registro de ambas as personagens é esteticamente distinto. Enquanto Moore aparece em cena em planos que transmitem uma certa estranheza, Qualley é apresentada como uma boneca, com iluminação mais intensa e, por vezes, menos nítida, evocando o estilo das atrizes da era de ouro de Hollywood. Em outros momentos, close-ups de seu corpo a objetificam, refletindo a trajetória do corpo feminino no cinema realizado por homens, especialmente no gênero de horror. Quando Laura Mulvey, em seu clássico texto sobre o prazer visual, afirma que o “[...] olhar masculino determina e projeta sua fantasia na figura feminina, estilizada de acordo com essa fantasia”, Fargeat transforma essa ideia em um filme que não busca ser polido ou sutil. Sua intenção é escancarar e escrutinar um tipo de masculinidade e visualidade que se tornaram normas.
O que seria prazer visual para audiência acostumada com a objetificação transforma-se em um processo de autoconsciência voyeurística. Em outras palavras, na posição de espectador, o ato de desviar o olhar e tentar não ver se entrelaça com a compulsão de continuar observando, na expectativa do que vem a seguir. Após a primeira quebra das regras relacionadas ao uso da substância no filme, o público encontra consequências progressivamente grotescas à medida que a narrativa avança. Enquanto as cenas com Moore se tornam mais sombrias, aquelas que retratam o sucesso de Qualley são intensificadas em sua forma estética. Assim, Fargeat gradualmente prepara o terreno para a meia-hora final, o clímax que o filme vem construindo desde o início. Quando, diante do espelho, se revela o produto final da substância, a cineasta estabelece um novo patamar dentro do horror contemporâneo.
Em uma época marcada por uma limpeza estilística que valoriza a esterilidade visual, onde a "melhor imagem" ou a "bela arte" são sinônimos de qualidade, a diretora de Vingança (Revenge, 2017) não se deixa seduzir por esse ideal. Quando A Substância é apresentado como um filme disruptivo, isso não se deve apenas à sua abordagem do body horror, que remete a Cronenberg (especialmente em A Mosca), a Lynch (como em Eraserhead) e, em certo grau, a Paul Verhoeven. Em outros termos, enquanto pensa sobre a corporalidade em torno dos filmes que pavimentaram o gênero, ela avança os caminhos dentro de uma imagem do feminino no cinema, partindo do cânone para questionar o olhar masculino que pousou sobre essa ideia de feminilidade. E ela o faz através da capacidade de romper com um padrão fílmico voltado para comodidade.
A evidência disso pode ser encontrada na implacável meia-hora final. Com "a melhor versão" de Elisabeth e Sue pronta para a festa de Ano Novo, ela se posiciona em frente a um espelho. Para a trilha sonora, Fargeat escolhe os acordes de Bernard Herrmann para a trilha de Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958), de Alfred Hitchcock. Essa escolha, que pode parecer curiosa à primeira vista, se torna uma poderosa consolidação entre forma e conteúdo. Aqui, retornamos ao texto de Mulvey, que em um determinado momento observa que o magnum opus de Hitchcock "[...] concentra-se nas implicações da divisão entre o ativo (aquele que olha) e o passivo (aquele que é olhado), em termos de diferenciação sexual e do poder do simbólico masculino inscrito no herói."
Ou seja, da narrativa em que um homem molda a mulher da maneira que deseja, Fargeat coloca a mulher dos sonhos diante do espelho, completamente transformada e pronta para tornar os espectadores da diegese em testemunhas dessa criação. Em um mundo estéril, sujar a imagem, as mãos e o corpo do outro, que se refestela no ideal imagético, se torna um ato de liberdade. A Substância é, assim, uma homenagem e uma ruptura — uma reinvenção de um estilo, de uma ideia, de uma imagem e de um ideal de cinema.
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