Damien Chazelle é lembrado por ser o diretor mais jovem a ganhar um Oscar, mas também por, naquela mesma noite, assistir ao filme dele quase ganhar o prêmio de Melhor Filme. Quando Faye Dunaway tirou o envelope das mãos de Warren Beatty e anunciou erroneamente La La Land como o grande vencedor da noite, apenas para ser corrigida poucos minutos depois, estava feito. Acontecia ali aquilo que, até dois anos atrás, era o momento mais infame da história recente do Prêmio da Academia. Teria sido aquilo o momento da desilusão de Chazelle com o sistema em que estava inserido? Ver sua equipe subir ao palco apenas para ter as estatuetas retiradas de sua mão e entregues para outros realizadores pode ter sido o fim do idealismo para aquele jovem diretor, afinal, poucos anos depois, ele lançava o fatídico Babilônia.
La La Land (2016) é uma celebração da Hollywood clássica, com cores saturadas e números musicais extravagantes. Sebastian e Mia, interpretados por Ryan Gosling e Emma Stone, sonham em vencer em Hollywood, ele com seu jazz e ela brilhando no cinema. O romance dos dois é contado através de números musicais com visuais remanescentes dos grandes filmes do gênero em sua era de ouro. Chazelle conduz tudo com maestria, mas é possível notar certo idealismo típico de um diretor em início de carreira. Na conclusão, a jornada dos dois mostra que é possível chegar lá, mas algo sempre é deixado para trás.
Já em Babilônia (2022), Chazelle retorna ao período de transição do cinema mudo para o falado, jogando foco sobre três figuras, cada uma envolvida na indústria de cinema de uma maneira, em diferentes momentos. Os personagens de Brad Pitt e Margot Robbie são atores em fim e início de carreira, respectivamente, e Diego Calva interpreta Manny, imigrante mexicano que de assistente, aos poucos ascende na hierarquia dos estúdios. Ao fim, nenhum dos três lembra as figuras que conhecemos no início, que idealizavam aquele lugar em Hollywood. Aqui, para crescer, fica para trás qualquer senso de identidade. Para ser reconhecido, a consequência é não se reconhecer.
Com dois elencos recheados de estrelas, o verdadeiro protagonista, o centro de ambas as estórias é o mesmo: a cidade de Los Angeles, ainda que com quase um século de diferença. Não o espaço físico, as ruas e moradias, mas o ideal de Hollywood, o lugar onde sonhos não apenas se realizam, mas são fabricados. Em La La Land, a visão sobre a cidade é de um recém-chegado, tudo é solar, convidativo, aconchegante. A cena de abertura se passa no engarrafamento mais feliz já registrado, em que uma reunião de desconhecidos canta e celebra que é mais um dia de sol em um plano-sequência. É o lugar perfeito para sonhar porque é, em si, idealizado.
Já os momentos iniciais de Babilônia se passam num lugar ermo, longe de qualquer glamour. Na cena, Manny, vivido por Diego Calva, recebe ajuda de outros homens para levar um ser titânico a uma celebração da elite hollywoodiana, para ter como recompensa aquilo se voltando contra eles, reforçando o lugar deles de insignificância no cenário geral. Para as estrelas, toda a extravagância e luxúria da era do jazz, para os trabalhadores, a periferia e dejetos que os soterram, maculando sua integridade, sujando-os. É a partir daí que, pelos olhos de Manuel, somos apresentados a esse mundo.
Em Babilônia, esse ambiente, outrora idealizado, é fonte de caos e perdição, expressados primariamente nas festas, mas que se estendem ao ofício do cinema. Ao retratar a era do cinema mudo, os sets são caóticos, barulhentos com várias gravações simultâneas. A necessidade de captação de som gera uma sensação de controle, contenção, mas tudo continua igualmente estressante e ainda mais sufocante, a consequências extremas. É comum que os personagens em cena estejam constantemente suados, gritando e à medida que a relação com a indústria cultural fica mais profunda, mais letais e escatológicos tornam-se os fluidos em tela. Para o Chazelle babilônico, a construção de um produto coletivo se dá através da degradação do indivíduo, esteja ele na base ou no topo da hierarquia.
A cena final de Babilônia, mais que uma celebração do cinema e sua durabilidade, é um reconhecimento do sacrifício de todos que, por trás das câmeras, abdicam de grande parte de suas vidas para realizar verdadeiros milagres. Nos olhos de Diego Calva há admiração e dor, um reconhecimento de que todo seu esforço é parte de um filme do qual ele não chegou a participar, mas é o ápice de tudo que ele ajudou a construir, destruindo-se no processo. O trabalho dele está presente naquela obra e em todas que hão de vir, que ele nunca vai ver, em todos os trabalhadores que mantêm a indústria viva e em cada espectador que testemunha seus feitos. Manny, ou Damien, entende que, nas palavras de Lin-Manuel Miranda, talvez o legado seja escrever as primeiras notas de uma canção que outra pessoa cantará.
Tal desencanto com o próprio ofício e com seu papel no desenvolvimento de uma arte é de se esperar de um cineasta em fim de carreira, que olha para sua própria finitude e tudo que ficou para trás, mas Chazelle explora essas emoções antes dos 40 anos. Isso seis anos após celebrar e ser celebrado pela indústria em que se insere. Talvez como um exemplar de sua geração, ele hipervaloriza todas as mudanças atuais que o cinema vem passando nos últimos anos, em que filmes originais têm pouco espaço nas salas e grandes diretores só conseguem grandes orçamentos quando se filiam a gigantes do streaming.
Ironicamente, o próprio lançamento de Babilônia reforça a tese do seu diretor. Enquanto La La Land foi um grande sucesso com mais de $400 milhões em bilheteria e seis Oscars, o longa mais recente de Chazelle teve um retorno de $63 milhões com um orçamento de $80 milhões e pouco espaço em premiações. O cineasta usa do seu grande orçamento, provavelmente o mais alto que ele verá por um bom tempo em sua carreira, para extravasar, digerir sobre tudo isso da maneira mais exagerada possível. Não decreta a morte para a indústria, mas uma mudança. Ele filma sobre essa chave que virou em si, sua jornada na cidade dos sonhos que foi da idealização à desilusão.
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