Os créditos iniciais deslizam suavemente sobre a tela escura, delineando os nomes que contribuíram para o material audiovisual. Enquanto os espectadores atentos percorrem os diversos nomes, um som sutilmente perturbador vibra pelo ambiente, pela sala de cinema, criando uma sonoridade de suspense que titila as expectativas. Este acompanhamento sonoro “incerto” nos convida a adentrar nessa atmosfera. A primeira imagem se revela: uma mulher caminha solitária pela praia, capturada em um amplo plano aberto. O céu nublado e o mar cinzento ecoam a presença enigmática da personagem, que adorna seu rosto com um espelho, quase como uma máscara, e parece evitar o olhar direto da câmera de Lia Letícia, diretora do filme. Embora pareça desejar ser capturada, ela retorna ao mesmo ponto repetidamente, configurando uma atmosfera fantasmagórica, carregando duas porções de água. De repente, ela desaparece, deixando sua ausência para nos absorver, nos envolver nas profundezas daquela imagem.
Terra Não Dita, Mar Não Visto, apresentado na mostra Chamas Curtas, com curadoria de Anna Andrade, Felipe Karnakis e João Rego, mergulha nos encontros entre dois elementos intangíveis: a terra e o mar. A seleção de curtas, unidos pela potência da natureza, revela uma aura de apreensão; na última obra, a personagem se posiciona diante desse conflito iminente. A terra pode representar um território familiar, onde nossos pés encontram estabilidade na lama, mas a água carrega consigo um mistério, um enigma das jornadas que percorreu durante sua essência histórica. Com seu rosto refletido no espelho, a personagem enfrenta a câmera em momentos de confronto direto, mas é nos planos mais recuados que sua jornada revela a passagem e a intangibilidade. Observamos sua caminhada refletida no espelho, transformando-nos em criaturas que buscam sentir essa companhia, para alguns acessível, para outros apenas um mergulho no desconhecido.
Se o curta encontrou-se experimentalmente por meio do silêncio e da dilatação temporal, a entidade enche copos de vidro com água, como se estivesse devolvendo o líquido ao mar. No entanto, nesse gesto, a água parece desafiar seu destino, pausando no tempo, como se alguém tivesse apertado o botão de pausa em um filme. Enquanto isso, o mar ao fundo continua seu fluxo incessante, indiferente à água que deveria se juntar a ele. De repente, uma nova personagem entra em cena, carregando consigo uma aura de mistério. Sua maneira de andar, seu rosto em destaque e suas roupas azuis sugerem uma presença multifacetada. Ela poderia estar vagando por um mercado movimentado ou percorrendo uma praia deserta em um dia nublado, onde os guarda-sóis permanecem inertes no chão.
No desfecho, ela se posiciona sobre uma rocha próxima ao mar, enquanto as ondas violentas tentam dominar aquele território. Contudo, a personagem encara a câmera com determinação, desafiando a capacidade do aparato de registrar sua presença. Inicia então uma dança, como se estivesse em perfeita sintonia com as marés, como se fosse a própria encarnação dessas forças universais. Segurando um objeto que destaca em frente ao corpo, ela enfrenta as ondas que batem nas pedras, criando uma imagem de beleza sublime. Se, no início da obra, sentíamos medo, agora somos envolvidos por essas manifestações intangíveis que contribuem para nossa experiência dentro da sala de cinema. Contudo, o lugar preferido do filme pode não ser essa sala, mas uma projeção em meio aos espelhos, rochas e fluxos contínuos de água.
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