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Foto do escritorMarcelo Formiga

As influências e o minimalismo estilizado de "Halloween"


Enquanto nos giallos (subgênero italiano de terror e suspense) existe uma tensão para descobrir quem é o assassino, Halloween (1978) começa apresentando sua identidade, e toda a aflição do filme vai ser criada em cima do medo do espectador, por já saber quem é essa figura. A cena inicial do longa talvez seja seu maior susto, com leves barulhos externos e uma música que ressalta a iminência de algo, tornando-se cada vez mais incômoda. John Carpenter, fazendo o uso de uma câmera subjetiva, nos coloca no ponto de vista de um personagem que caminha pela casa e, posteriormente – por trás dos contornos de uma máscara e com uma faca em suas mãos –, mata uma mulher. Esta, que acabara de fazer sexo com seu suposto namorado (quem deixou a cena um pouco antes do assassinato), demonstra saber a identidade do assassino. À primeira vista, pode parecer uma abertura convencional para o gênero de terror, quiçá de um giallo; entretanto, ao término da cena, somos surpreendidos por uma reviravolta, que aponta uma proposta diferente para o longa. O assassino vai para fora da casa, onde se depara com duas pessoas que o reconhecem e, com a retirada de sua máscara, saímos finalmente do longo plano sequência que retratava seu olhar. Somos transportados a um plano médio, afastando-nos do personagem, como se a própria câmera tivesse medo dele, e logo seu rosto e corpo são revelados: uma criança, Michael Myers, acaba de matar sua irmã mais velha. 


É claro que a obra, hoje conhecida como uma das maiores influências para o subgênero do terror slasher foi, por sua vez, influenciada por vários filmes, sendo um dos mais notáveis Massacre da Serra Elétrica (1974, dir. Tobe Hooper) – o foco em jovens, uma "final girl" e um grande assassino mascarado. Mas também é válida uma análise que interprete como um importante ponto de inspiração para Halloween os supramencionados giallos, popularizados nos anos 70, principalmente com Dario Argento. John Carpenter, como um grande cinéfilo, tem algumas influências nítidas, e creio que Argento seja uma delas, notada em como Carpenter assume uma estilização cool bastante direta, principalmente a partir do uso da trilha sonora bem pontuada e luzes azuis durante a noite, sem contar o uso da arma branca como principal método para os assassinatos. É claro que os giallos de Argento são ainda mais "vulgares", no sentido de se abrirem para uma estilização muito mais descarada, com mortes absurdas e uso extremamente marcado de sangue, cores saturadas e música exagerada, porém o filme de Carpenter se adequa a uma certa concretude minimalista: mortes mais cruas, um visual mais sólido e uma trilha sonora metódica. A trilha, inclusive, é certamente uma das coisas mais marcantes da obra, e ganha ainda mais destaque por ser composta pelo próprio diretor. O filme consegue equilibrar esse nível cool de diversão com a frieza e mística de seu protagonista – até mesmo a máscara vestida por Myers remete ao seu minimalismo enquanto assassino.



Diria que outra grande influência é a de Um Corpo que Cai (1958, dir. Alfred Hitchcock), pelo simples fato de Michael estar quase o filme inteiro ocupando a mesma posição voyeur do personagem de James Stewart no longa de Hitchcock, acompanhando os passos de uma mulher, sem ser visto. A diferença maior é que aqui, de modo geral, temos a perspectiva feminina de Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), com o diretor usando muito bem a profundidade de campo para evidenciar essa constante observação sistemática do assassino – ele aparece em repentinos flashes atrás de algum objeto, passa rapidamente por trás de algum personagem importante. Essas, além de serem cenas memoráveis do filme, são alguns de seus momentos mais assustadores: o bicho-papão se mostra onipresente, e seu ataque, cada vez mais iminente. O diretor brinca com a presença do personagem através da sua constante troca de posição na mise-en-scène; Carpenter se utiliza desses espaços da tranquila vizinhança americana e os subverte, mostrando haver ali um esconderijo para as mais diversas perversidades.



Ainda que já tenha visto muitas ideias interessantes que relacionam a questão do sexo ao assassino no filme, há espaço para discordâncias. Obviamente, Michael Myers mata algumas de suas vítimas em momentos prévios ou posteriores a cenas íntimas, mas Laurie, que tem sua vida ameaçada pelo bicho-papão do mesmo modo, é a personagem que passa mais longe do ato sexual durante o longa. Talvez o fascínio de Myers pela personagem de Jamie Lee venha justamente por conta dessa promessa de "virgindade". Porém, ainda é difícil dizer que existe alguma particularidade clara na maneira como Michael trata Laurie em relação às demais vítimas – tenta executar todas, munido de diferentes métodos de violência, que culminam no mesmo fim, e nada nesses assassinatos (ou em suas tentativas) faz pensar muito nessa associação. Entretanto, uma das características mais notáveis do filme é como o diretor e o roteiro não explicitam as especificidades de mitologia e simbolismo (aqui, Carpenter não se preocupa muito em associar a narrativa a uma temática política e social de maneira tão direta, como fez em outros filmes), assim como possíveis motivações do assassino. É prazeroso assistir a um filme que apresenta a imagem e deixa o espectador pensar por conta própria.


Halloween, mesmo com grandes problemas de orçamento, é um dos filmes mais influentes do gênero terror, basicamente fundando um novo subgênero (o previamente mencionado slasher) e, não à toa, é considerado uma das obras mais icônicas do cinema – além de ter sido responsável por alavancar a carreira de John Carpenter. É tão tenso quanto divertido; a personificação do mal ataca em uma sombria noite de halloween, através de uma meticulosidade de detalhes, que ressaltam um minimalismo e eficácia. Muito bem estilizados, e igualmente frontais com o gênero, cada canto do enquadramento é perfeitamente decupado, e são essas simples miudezas que criaram a grande mística ao seu redor.

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