Conflitos e heranças geracionais estão no cerne de Malu, em exibição nos cinemas, mas não é, nem de longe, o suficiente para dar conta de resumir o arrebatamento de emoções provocadas continuamente nos 100 minutos do longa. Na sessão (e fora dela, imediatamente após o fim), a reação do público não mente: bem sucedido ao contar uma história, essencialmente, de amor. Sofrido, contraditório e belíssimo, um daqueles filmes para atravessar a audiência. E assim o fez.
Malu conta parte da história da atriz paulista Malu Rocha (Yara de Novaes), sob a ótica de seu filho, Pedro Freire, que assina a direção e roteiro do longa. Em uma mistura naturalista entre a histórias reais e interpretações “construídas em conjunto, com margem para expressão das próprias bagagens dos atores”, segundo o próprio Pedro, somos convidados a conhecer relações da protagonista com sua mãe, Dona Lili (Juliana da Carneiro da Cunha), sua filha, Joana (Carol Duarte), e do amigo e artista Tibira (Átila Bee), que mora com as protagonistas.
Após prestigiada estreia no Festival de Sundance, e prêmios relevantes no Festival do Rio, incluindo reconhecimento para as três atrizes, o filme projeta uma carreira de sucesso por onde passa. Mas, afinal, que fatores se unem para uma obra tão visceral, pessoal, mas transparente e identificável?
“Pedro não tem medo de colocar pessoas com suas sombras, com todos os seus lados, personagens que sejam muito complexos e que, se em algum momento você os adora, em outro momento você pode realmente rechaçá-los completamente. Assim como é com a gente também. Acho que esse é um grande trunfo do filme”, comenta Yara, que destaca: “ter como célula dramática principal, uma família formada por três mulheres e um agregado, que é um amigo, um artista, é alguma coisa muito próxima de todo mundo”.
‘Uma alquimia dos deuses do cinema’
Foi a frase destacada por Juliana Carneiro da Cunha ao tentar descrever o encontro entre o elenco e equipe, todos, selecionados a dedo pelo diretor, que optou por não abrir seletivas para o elenco principal.
“O Pedro tinha me falado da avó dele, contando o quanto os amigos gostavam dela, achavam ela muito delicada, fofinha, eles dizem, e que era uma pessoa racista, reacionária, até com instintos assassinos, eu diria. Mas, ao mesmo tempo, com uma aparência muito... Uma senhorinha, não é? (...) Depois de nos deixar totalmente livres, improvisando e criando, veio o roteiro preciso. Quando nós já estávamos com esse alimento bem digerido. Acho que uma atriz sem direção não é nada, é um zero à esquerda. E Pedro é um excelentíssimo diretor de ator”, completa Juliana.
‘O filme começou a ser pensado em 2013, quando minha mãe faleceu’
Ao descrever a mãe, vem a frase: “Ela era uma libertária, revolucionária”. Neste sentido, a homenagem biográfica, apesar de não engessada, é parte inevitável do sucesso do filme ao encantar a audiência. Trata-se de uma história excepcional, mas que quebra o simples fazer cinematográfico pela delicadeza na qual o diretor inicia a idealização do filme.
“A gente organizou o velório dela no Teatro Oficina, em São Paulo, onde ela começou a carreira dela. A gente não queria fazer um velório careta, em capela, nada disso, porque ela era totalmente contra isso”, conta Pedro, “A gente preparou o caixão no meio do palco, pintou o caixão de amarelo, cheio de purpurina. Naquele momento especial, eu senti que aquela mulher precisava de um filme. Eu precisava contar a história daquela mulher, sabe? E aí foi um processo de muitos anos, tomando coragem para fazer, vivendo o luto…”
O processo de elaboração da primeira versão do roteiro durou cerca de 5 anos, passando, inclusive, por Recife. Para decidir que trecho da vida de Malu deveria ser mostrado, Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, foi importante nesse processo. "Me inspirou a fazer um filme sobre uma mulher de mais de 50 anos. E aí entendi, que o cinema brasileiro tinha vocação para falar sobre mulheres dessa idade” afirmou o diretor e roteirista, que também expressou carinho pelo Janela de Cinema, festival onde o filme teve pré-estreia em Pernambuco e onde já apresentou dois curta-metragens.
'Pra onde que a gente está indo?'
Arte e resistência andam de mãos dadas e, como um pedaço inevitável da história de revolução de Malu Rocha, é também parte essencial do filme:“É central a destruição da arte brasileira, da cultura brasileira, pela ditadura militar, que é um tema que aparece mais de fundo, mas é muito importante. Acho que contamina, também, a história da Malu”, afirmou com veemência Yara de Novaes.
“Eu penso muito nessa Malu Rocha, também, como uma figura interessante de olhar para o nosso passado no Brasil (...) que viveu a ditadura, viveu um processo no Brasil bem difícil para os artistas. Tem uma fala da Malu que é "Pra onde que a gente está indo?" Essa fala me pega. Porque depois de tanto tempo, o Brasil passou por tantas coisas, a gente ainda se pergunta pra onde a gente está indo”, completa Carol Duarte, que é a mais jovem do elenco e destaca “as coisas não estão garantidas”.
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