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Foto do escritorLuiza Neves

Além de seu tempo, "Sofia Foi"

Divulgação/ Vitrine Filmes

O tempo, no cinema narrativo que classicamente conhecemos, tende a obedecer a certos critérios; a duração dos planos, das ações e dos atos de um roteiro são fatores que respondem pela eventual impressão de sentimentos que sobram à audiência. Sofia Foi dilata o tempo e aproxima a imagem – que, contraditoriamente, nos distancia cada vez mais da protagonista. Em sua brevidade, na diegese e fora dela, a extensão do olhar, aqui, é o verdadeiro pilar da imersão, da consagração do espectador enquanto participante dos eventos que ali se desenrolam.

Divulgação/ Vitrine Filmes

O cenário é a Universidade de São Paulo. Sofia (Sofia Tomic) recebe uma mensagem de voz, dizendo que precisará vagar o quarto onde estava ficando. Não esboça muitas reações, característica que, notavelmente, se repete ao longo de toda a obra. Nos halls de um dos prédios do campus universitário, a jovem oferece serviços de tatuagem handpoke, majoritariamente operando em silêncio. Em uma das poucas trocas com uma cliente, Sofia relembra um romance, interrompido de maneira trágica por uma fatalidade. Relata quase casualmente, à medida que momentos de sua lembrança nos são exibidos em tela. É o maior acesso que o filme concede ao íntimo de sua protagonista – enquanto público, não há nenhum privilégio de obter informações além daquelas que os personagens com quem Sofia cruza também têm.

Divulgação/ Vitrine Filmes

Pedro Geraldo, em sua estreia na direção, compartilha os créditos do roteiro com a atriz. A intimidade de ambos com o processo parece contribuir na construção das demoras, das perambulações, dos flashes de memória. Por mais que Sofia pareça alguém inacessível para quem a observa, também escoa da tela o carinho por parte daqueles que realizam a obra, de uma forma que satisfaz. Em determinado momento, já não buscamos mais entender quem e por quê, contentando-nos com a experiência do passeio e da vagarosidade noturna. Encapsulada em Sofia existe uma certa curiosidade universal do estudante universitário para com rostos familiares, com quem cruzamos em corredores e festas, mas que jamais deciframos. Restam nossas próprias fabulações, a partir do pouco que ouvimos e do tanto que espreitamos.


Assim há, por fim, a volta ao título do filme. "Foi" não mais tem sua derivação clara de apenas um dos verbos, ir ou ser, mas passa a conter uma multitude de sensações e questionamentos. Sofia foi a uma festa, a uma casa, a um lago. Em busca de algo, à toa. Sofia foi estudante, artista, amante. Jovem. Talvez, um pouco como o resultado de suas tatuagens handpoke, caiba-nos somente apreciar o símbolo, sem muito tentar entender a abstração. É uma impressão vagarosa, levemente amorfa, cuidadosa, tátil. Sobretudo, duradoura.

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