Numa casa de praia, pela manhã, mãe e filha conversam à mesa. A menina trabalha numa tradução de Alceste, peça do dramaturgo grego Eurípides. Na companhia do vento e do barulho das ondas, ela indaga a respeito da palavra tempo, cujo significado permanece fragmentado, no grego, em diferentes outros vocábulos: ora representa o fluxo do tempo, ora um momento especial, e, em vezes, eternidade. De fato, a promessa de uma narrativa circunscrita à própria noção de temporalidade é clara. Temos a impressão, com isso, de que estamos prestes a presenciar um longa-metragem voltado às profundidades da subjetividade, às verdades do ser, de forma poética e filosófica. Entretanto, se nos deixarmos enganar de tal forma, a própria experiência com o longa nos permite provar o contrário de maneira curiosamente brutal. As verdades reveladas, aqui, são outras, que dizem respeito não apenas ao esvaziamento melodramático e narrativo da diegese fílmica, mas também à própria expressividade medíocre dos sujeitos escolhidos para compô-la.
A obra, dirigida pela cineasta italiana Liliana Cavani e distribuída no país pela Pandora Filmes, segue um grupo de amigos adultos que passam alguns dias na praia para comemorar os 50 anos de Elsa (Claudia Gerini). Durante esse tempo, Enrico (Edoardo Leo), um renomado físico, os visita após incessantes convites. Não demora para que ele exponha, por meio das notícias do telejornal, a existência de um asteroide que ameaça atingir o planeta e desencadear uma catástrofe mundial, possivelmente resultando no extermínio da humanidade. Curiosamente, essa notícia desperta diferentes reações nesses indivíduos, incluindo o ceticismo e um desespero contido. Após alguns drinks, decidem passar o dia ali, da mesma maneira – bebendo, aproveitando a presença uns dos outros e desfrutando da própria ordem do tempo. A reunião, contudo, desencadeia uma série de outras revelações: Elsa sempre nutriu uma forte paixão por Giulia (Francesca Inaudi), Leo ainda ama a personagem de Kseniya Rappoport, etc. Pretendendo estabelecer vínculos afetivos melodramáticos, são poucos os momentos em que o filme atinge um mínimo desse efeito. O resultado, dessa maneira, é uma série de eventos e discussões apressadas que, com o pouco tempo disponível e a desorganização da narrativa, vão sendo descosturados e esvaziados de sentido para o espectador, exigindo deste um certo esforço para encontrar emoção nas motivações apresentadas.
Esses sujeitos – psicanalistas, donos de empresas, vendedores de ações etc. – em sua bolha do fim do mundo, parecem distantes, assim como a própria produção, de todas as implicações sociais e filosóficas que surgem de um acontecimento desse porte. O que pensávamos partir de uma abordagem filosófica e universal da subjetividade do ser, descobrimos apenas um grupo de adultos burgueses preocupados apenas com o próprio funcionamento e manutenção de sua bolha social. Não à toa, a principal locação escolhida para o filme foi uma casa de praia, quase paradisíaca, que desloca esses sujeitos das próprias margens da sociedade – colocando-os no centro, e ao mesmo tempo, protegidos. Algo que corrobora essas nuances é a figura da empregada da casa, que, ao descobrir a existência do asteroide, entra em desespero e decide imediatamente ligar para o filho. Para o grupo, sua reação e resistência a permanecer no local são incoerentes e, sobretudo, exageradas. Ela passa o dia servindo champanhe e pedaços de bolo aos donos da casa, enquanto se entrega à ansiedade da situação. Mesmo quando decide agendar um voo para ver o filho – quem não vê desde que tinha nove meses – logo pela manhã seguinte, seu discurso é problematizado e ofuscado por Jasmine (Angeliqa Devi), cujo problema de vida "semelhante" e de "mesma importância" é não poder reencontrar sua paixão de infância.
Por fim, o que promete ser uma abordagem poética sobre as margens da existência – comuns a si e ao outro – através da discussão sobre o tempo – presente, passado e futuro – revela-se um projeto extremamente desleixado e sem vida, alicerçado unilateralmente na mediocridade de um grupo burguês e sua evasão de quaisquer responsabilidades sociais e morais. No entanto, tal dimensão possibilita discutirmos um dos papéis essenciais da imagem; a rigor, sua potência em veicular retratos, de si, dos outros, de grupos sociais, etc. Resta-nos, assim, discutir as implicações do que Liliana Cavani e sua equipe decidiram retratar em A ordem do tempo. Uma delas é a de que toda a energia filosófica e potente sobre o tempo e sobre a existência reside, com efeito, em qualquer lugar, exceto no próprio longa.
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