Em 2020, escrevendo para o The New York Times, Nancy Meyers publicou um ensaio intitulado A Vida Não É Como Nos Filmes (Mesmo Que Você Escreva Os Filmes) [1]. Meyers é conhecida no mundo cinematográfico por suas comédias românticas, como Alguém Tem Que Ceder (2006), Simplesmente Complicado (2009) e – particularmente, o favorito da que vos escreve – Operação Cupido (1998). Não raro, a realizadora se utiliza de situações de sua vida privada como inspiração das situações que acometem seus personagens; como ela mesma escreve no ensaio, "por que não rir das surpresas que a vida nos apresenta?". O mais novo longa do diretor Daniel Ribeiro, 13 Sentimentos, parece partir um pouco da mesma premissa auto-ficcionalizante.
João (Artur Volpi) é um cineasta recém solteiro, vindo de um longo namoro de dez anos, mas ainda mantendo contato frequente com seu ex. Tentando se inserir novamente nas dinâmicas do flerte, ele se torna usuário de aplicativos de relacionamento, ferramenta que adquire influências nas mais diversas esferas de sua vida. Isso porque, após descobrir que seu projeto mais recente não seria mais executado pela produtora audiovisual com a qual vinha colaborando, o protagonista se vê na necessidade de conseguir dinheiro para pagar suas contas, e uma das oportunidades disponíveis vem por meio de um casal que João conheceu online: eles buscavam alguém para filmar um sex tape. O jovem, daí, adquire mais ofertas de outros casais, e cria algo como uma carreira nichada no meio.
O filme, consciente de um certo zeitgeist relacional pós-pandêmico – a democracia, aqui, inserida como um essencial verbalizado por João, no mais político que ele se permite ser –, procura equilibrar os lados profissional e romântico do cotidiano do artista, sendo o sexo o suposto ponto de intersecção na narrativa. João é, essencialmente, obcecado pela própria vida, e o novo roteiro que deve escrever é deletado e recomeçado inúmeras vezes, à medida que suas novas interações revelam-se mais interessantes que as anteriores. Pouco preocupado em analisar o passado, ele se convence de que seu relacionamento prévio foi uma espécie de série com um final de temporada perfeito; agora, o importante seria descobrir qual o novo script que lhe abrigaria enquanto personagem principal.
O problema nasce quando, tratando-se de uma obra cuja proposta vem de explorar uma miríade de sentimentos – em relação a si e para com o outro – que acometem qualquer pessoa que se sujeita a criar vínculos, tem-se uma narrativa que emprega alegorias reconhecidamente fracas e um protagonista que satura a quantidade de piadas meta à disposição. A referência constante à vida enquanto um roteiro ou obra audiovisual é, inicialmente, divertida e bem intencionada, mas a repetição causa um cansaço e parece ilustrar um filme preso nos mesmos atos. João não sabe ficar sozinho, fato consideravelmente normal quando se passa muito tempo comprometido na juventude. Todavia, suas tentativas de conhecer outras pessoas parecem menos genuínas do que utilitárias, falha de caráter que, por mais que apontada por seus amigos em determinado momento, é pouco superada ou, pelo menos, bem reconhecida pelo próprio.
Talvez pela quantidade de emoções elencadas ser tão vasta, suas assimilações provam-se insuficientes ao espectador. Diferentemente de seu primeiro longa, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014), que explorava a introspecção, as trocas e conflitos dos personagens adolescentes, Daniel Ribeiro parece muito expor e quase nada dizer acerca de João, quem, ao fim, soa como paródia de si mesmo. Seus dois melhores amigos, cujos próprios dramas pontuais trazem mais intriga, são o ponto alto da trama, por esbanjarem personalidade e a sensação de que carregam consigo bagagens de experiência, de fato – além de uma boa dose de paciência para alguém que, mais regularmente do que se espera, não consegue emergir de seus próprios enredos e fazer-se presente nos dos que o cercam.
Um filme não tem sua qualidade mensurada por níveis de seriedade, drama ou temas ditos sérios. Pelo contrário, são aqueles que dão chance à diversão e ao clichê, por vezes, que mais comunicam a uma audiência, em rompantes de euforia e sede. Ainda assim, é preciso que construam de maneira idônea suas relações, que conquistem pela expectativa, pelo não dito bem mostrado, por um carinho que transparece. Caso contrário, tem-se uma obra dogmática em demasia, morna em seus efeitos: um protagonista que termina como começou, coincidências que confirmam suas crenças, reconciliações mornas, tensão que não constrói tesão (por mais que todo o desenrolar culmine em uma única cena final de sexo), um senso de falta de confiança na mensagem política que, implicitamente, na narrativa do desejo, era mais forte. 13 Sentimentos acaba circunscrito à realidade que parece querer criticar; a João, não parece ter ressoado que sua vida não precisa ser que nem um filme para que, finalmente, escreva um.
Meyers, que fez uso do cinema como forma de se entender sozinha, também permitiu aos seus personagens finais felizes dos mais variados, nem sempre com um explícito "para sempre". A força de sua obra vem do impulso, da chance e do desprendimento – mais possível nos filmes – da racionalidade em favor da emoção. Na vida pessoal, ela também afirma ter encontrado um certo tipo de final feliz, depois de vinte longos anos. A paciência e disposição à surpresa são necessárias às boas histórias, sejam elas reais ou não. Dos treze sentimentos pinçados no longa de Ribeiro, ouso dizer que falta espaço para o vazio.
Nota
[1] Ensaio de Nancy Meyers: A Vida Não É Como Nos Filmes (Mesmo Que Você Escreva Os Filmes): https://www.nytimes.com/2020/02/28/style/modern-love-nancy-meyers-rom-com.html
Comments